A moça de Colasanti, por Luzia Almeida
O conto “A moça tecelã” de Marina Colasanti remete-nos a três fatores instigantes: literariedade, tristeza e solidão. E, embora não sejam fatores em oposição; criam, de certa forma, contrastes de beleza e dor próprios da literatura. Contrastes que seguem personagens de todos os tempos, fazendo-nos felizes, reflexivos e encantados, como esta moça de Colasanti que:
“Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite”. O belo acontece logo de início, estou falando de literariedade — esse negócio mágico que transcende o jogo de palavras e que nos deixa num estado de deleite sem comparação — “como se ouvisse o sol” — mas, nós ouvimos o sol? Não, não ouvimos. Todavia, a literatura pode produzir essas construções inéditas, tão inéditas quanto surpreendentes: “atrás das beiradas da noite.” É espetacular! Marina acaba de transformar a noite em rio ou em praia, alguma praia perdida de luar ou em algo que contorne praia. “... beiradas da noite” é além da física!
A primeira vez que li o conto “A moça tecelã” de Marina Colasanti fui tomada de uma alegria tão intensa, de um encantamento tão claro por conta dessas construções literárias. Mas, se Colasanti começa com tamanha beleza, as surpresas literárias não ficam somente no início. Ela prossegue na própria narrativa fantástica quando nos apresenta um tear: “Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.”. É magnífico! Um tear mágico!... E se a moça sentisse fome? “Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido.”
É claro que tudo está muito certinho para um conto. Se é conto, necessário se faz um conflito. E qual seria o conflito dessa moça delicada com seu tear mágico. Qual é o conflito que ultrapassa a realidade e chega até as terras literárias cheias de personagens encantadores e que, por isso mesmo, precisam sofrer? Solidão é a resposta. “Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou como seria bom ter um marido ao lado”. Pobre moça! Com esse tear? Um tear que pode produzir ouro? Será que existe uma lei que não permite que ouro e felicidade andem juntos? Ou andariam juntos uma moça tão delicada com um marido tão exigente: “Por que casa se podemos ter palácio?” Nada era suficiente para ele. De repente, a moça se viu envolta por tantas tarefas que já não vivia, apenas tecia. E surge essa dualidade entre vida e trabalho provocada por um marido exigente.
A solidão trouxe o marido e a tristeza o levará de volta, para antes do tecido de amor. Ele retorna, não para um lugar, mas para um tempo. Antes é a palavra de ordem. Sim, porque embora acompanhada, seus sonhos continuam abstratos na negligência de um marido superexigente. “E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros.”. Um tempo marcado por exigência e tristeza.
O conto de Colasanti obriga-nos a fazer reflexões que vão da beleza literária à fúria da solidão e, lembrando Alceu Valença “a solidão é fera, a solidão devora” temos um pouso na tristeza quando destecer o marido é uma urgência de desilusão. Seria uma metáfora de divórcio? Pode ser. De qualquer maneira, lembra-nos de tantos casais que seriam felizes para sempre. “Seriam” é tempo de um futuro pretérito. Um tempo utópico que registra apenas uma possibilidade, mas que não confirma uma legitimidade de ternura quando o respeito não é um fator recíproco. A exigência exclui o respeito e, para moça de Colasanti, só resta voltar à solidão e, talvez, ao próximo sonho de amor que a luz do sol poderá dissipar.
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Sobre o autor
Luzia Almeida
Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação
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