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Siyabulela, um Mandela com 'pegada' empreendedora
Bisneto de Nelson Mandela prega paz e integração social

Em sua primeira viagem ao Brasil, ele está visitando Florianópolis, onde neste sábado faz uma palestra no Empreende Brazil Conference (Foto: Rafaela Gaidzinski) **Clique na imagem para ampliar

Publicado em 27/05/2022

Nosso entrevistado especial, Siyabulela Mandela, ativista social e da paz, vem de uma família notável. É bisneto do ex-presidente da África do Sul e vencedor do Prêmio Nobel da Paz, Nelson Mandela. Em sua primeira viagem ao Brasil, depois de passar alguns dias em São Paulo, ele está visitando Florianópolis, onde neste sábado faz uma palestra no Empreende Brazil Conference. Ontem, respondeu a perguntas do Imagem da Ilha.

Diretor na África do Sul da organização não governamental Journalists for Human Rights, ele veio falar sobre empreendedorismo de impacto social, dividindo com o público a sua experiência à frente da ONG, que é voltada à capacitação da imprensa e tem forte atuação também em regiões de conflito pelo mundo.

Siyabulela Mandela tem 29 anos, é PhD em Filosofia em Relações Internacionais e Resolução de Conflitos pela Universidade Nelson Mandela (África do Sul). Em seu trabalho, ele reforça junto aos profissionais da mídia o importante papel de agente de transformação social da imprensa. Presente em 29 países, a ONG em que ele atua percorre o mundo treinando jornalistas sobre como denunciar violações de direitos humanos, e atualmente desenvolve um projeto na África do Sul de mobilização da mídia no combate à Covid-19. Em palestra com tradução simultânea, ele falará sobre o tema “The world at cross roads: whose rights matter in the global context?” (O mundo na encruzilhada: que direitos são importantes no contexto global?)

1. Quais as diferenças e semelhanças entre as políticas de inclusão social da África do Sul e do Brasil?

A exclusão social é predominante em ambos os países. E, se olharmos as economias, suas políticas do dia a dia são na sua maioria excludentes para pessoas negras. Mas agora estes países têm um desafio. Por serem estados democráticos e estarem entre os mais desiguais do mundo, precisam desenvolver políticas de integração. A África do Sul, após 25 anos da troca de lideranças, está ainda mais desigual. O Brasil também é extremamente desigual, e está sem políticas de integração sendo realizadas pela atual administração. A questão agora é como construir pontes que integrem as comunidades segregadas com outras comunidades nos países, e com isso diminuir a desigualdade nas nações. E isso, tanto para um país como para o outro, só irá acontecer quando um líder trouxer a determinação de diminuir estas desigualdades.

2. Dos projetos sociais que você participa, quais são os mais recentes e relevantes?

Eu nunca tinha vindo ao Brasil, e esta semana quando cheguei a São Paulo fui conhecer a favela de Paraisópolis. Soube depois que é a maior do Brasil. Fiquei realmente impressionado com o que a comunidade está fazendo. Estão se conectando, se integrando, e com um sentido de organização surpreendente, e isso na busca da melhoria da vida das pessoas que lá moram.

Então, acredito que as favelas no Brasil estão fazendo um trabalho memorável, de integração dos indivíduos. Estão criando uma rede de envolvimento e com isso mobilizam as pessoas para produzir mais e melhor. Me surpreendeu que algumas favelas já criaram até seu próprio banco para investimentos, isso porque para o pequeno empreendedor local pegar dinheiro emprestado nas instituições financeiras é praticamente impossível, e com isso elas se tornam muito excludentes. É preciso replicar essa iniciativa em várias partes do país com diferenciais criativos.

Em Florianópolis, fui visitar o projeto Somar Floripa, que consegue fazer a ponte que falei lá no inicio para integrar o governo com a sociedade civil e atender as comunidades carentes, e com isso diminuir as desigualdades. Esse programa me surpreendeu porque conseguiu diminuir as diferenças na sociedade e melhorou o acesso ao governo às pessoas mais carentes, mobilizando voluntários que conseguem trazer comida para moradores de rua, e isso é um grande começo. Mas não é só isso, quando estive lá vi que estão criando oportunidades para estes desvalidos para desenvolver habilidades, ensinando um ofício que dê esperança e os tirem da condição de miséria. Mas é preciso mais! É preciso incentivar a sociedade civil para que abrace esta causa de integração, é preciso mais voluntários para criar uma sinergia crescente. Hoje, eu vou lá na Passarela da Cidadania para trabalhar duas horas como voluntário, cortando cabelo ou limpando o chão, vou fazer o que precisar ser feito... A ideia do voluntariado é essa: ser útil.       

3. Há alguma perspectiva de uma "joint venture" social? Como sul-africanos e brasileiros poderiam se unir em prol das classes menos favorecidas?

Os dois países têm muitas similaridades. Precisamos criar pontes de integração para resgatar os grupos marginalizados, criar ecossistemas de empreendedores e buscar uma maior integração com as classes privilegiadas. Precisamos mobilizar estes ecossistemas para que através da troca de informações entre as comunidades e os países possamos criar pontes, já que as necessidades são muito parecidas. Imagine o potencial desta união de desfavorecidos integrada na troca de conhecimentos e ideias. Precisamos mobilizar nossos recursos e ideias para crescer juntos. Se continuarmos como estamos, ficaremos sempre divididos. Unidos podemos, divididos morremos.       

4. Como tem evoluído a convivência racial no seu país desde a posse do seu bisavô? Em que grau estão os conflitos de raça na África do Sul?

Desde que assumiu o poder, em 1994, Nelson Mandela teve entre um dos seus principais projetos o de mobilizar a África do Sul. Ele trabalhou para unir o país, buscando uma reconciliação entre as classes para assim diminuir a desigualdade social e racial. Ele criou políticas públicas de integração, e redistribuição da terra, mas ele ficou no poder por quatro anos. Em 1999, outra liderança assumiu. E essa nova liderança não se preocupou em dar continuidade ao que havia sido conquistado. A nova liderança só se preocupou em manter o povo dividido, para manter o poder. O que faltou foi um líder que se envolvesse com o crescimento, unidade e coexistência pacífica. Um líder que reconhecesse a diversidade e o potencial do país integrado. Se não aceitamos a diversidade, estamos perdendo uma oportunidade de crescer juntos já que a diversidade é um diferencial único. Agora, 25 anos depois, sem termos conseguido manter esta unidade e reconciliação, encontramos a África do Sul como o país mais desigual do mundo. E o Brasil também se situa com um país muito desigual, não sei qual a posição do Brasil atualmente, se 2º, 3º ou 5º em desigualdade. O que é necessário é um líder que quebre esta corrente de desigualdade. O problema é que as instituições são difíceis de mudar. É mais fácil manter o status quo do que entrar um uma vertente para mudanças estruturais. Na África do Sul, atualmente 80% da terra estão na mão da minoria branca. A maioria da população não tem acesso à terra, e se houver essa redistribuição, isto poderá diminuir as diferenças trazendo mais harmonia ao povo sul-africano.

5. Qual avaliação o senhor faz da atuação policial no seu país? Negros e pobres são vítimas de preconceito?     

Racismo e discriminação são uma constante na África do Sul, assim como no Brasil. Um país onde as instituições deveriam pensar em igualdade, prosperidade e liberdade, mas não, pensam em discriminar. A economia e as oportunidades são fundamentais para nosso crescimento e coexistência pacífica. Estamos agora falando em criminalizar o racismo, porque ele está reaparecendo mais e mais na África do Sul.  Agora também na Europa estamos vendo o racismo quando imigrantes vindos da Ucrânia têm tratamento diferenciado baseado na cor da pele. O que precisamos fazer é desmontar as instituições que mantêm este conceito racista, e assim, com a união dos jovens e das raças, talvez possamos crescer em direção à uma civilização mais justa.

Perguntas: Urbano Salles e Hermann Byron

Edição: Urbano Salles

Tradução:  Hermann Byron

Agradecimentos à Alvo Comunicação e ao professor de inglês e intérprete Matheus Muniz pelo apoio à realização desta entrevista

 

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