Os desafios de Guilherme Grillo na linha de frente do Hoepcke
Aos 58 anos, o empresário Guilherme da Silva Grillo é diretor e sócio de uma empresa familiar com 140 anos de história em Florianópolis: o Grupo Hoepcke. Casado há 34 anos com Patrícia Cherem Grillo, pai de Guilherme e Gustavo, ele falou para o Imagem da Ilha sobre o Complexo Carl Hoepcke, relembra passagens do avô materno, o ex-governador Aderbal Ramos da Silva, e revela suas expectativas para a economia brasileira.
Imagem da Ilha: O Grupo Hoepcke é uma empresa familiar mais que centenária que vem conseguindo crescer e se reinventar geração após geração, desde seus bisavós. Qual o segredo para esse modelo de gestão continuar dando certo? Fale um pouco sobre a importância de sua mãe, Annita Hoepcke da Silva, falecida em março de 2021, na condução dos negócios nas últimas décadas.
Guilherme Grillo: Urbano, em primeiro lugar, obrigado pela oportunidade de poder falar contigo e com os teus qualificados leitores. O Hoepcke está com 140 anos de vida e, quanto mais idade temos, em termos empresariais, maiores se tornam as responsabilidades e compromissos. Uma empresa com esse tempo todo de atuação é muito rara no Brasil. Naturalmente, muitas atividades e ramos têm sido por nós explorados nesse tempo todo. Os tempos mudam, as pessoas mudam, a infraestrutura muda e a tecnologia evolui rápido. A empresa já fez de tudo, desde fabrica de pontas (prego), de gelo, passando pelo ramo bancário (Casa Hoepcke). Também tivemos atuação muito forte no comércio, nos transportes e mais recentemente no ramo de construção civil, hoteleiro e imobiliário. De geração em geração, muita coisa muda. Setores da indústria, comércio e serviço se transformam, então não é fácil manter isso tudo vivo e ativo 140 anos. Cada geração da família teve e tem uma habilidade para lidar com determinados setores. Ninguém é bom em tudo. Nesse aspecto, minha mãe Annita teve um papel determinante na passagem dela pela direção das empresas. Não hesitou em investir em novos negócios e, principalmente, deu aos filhos (a mim, Aderbal e Patrícia) liberdade para criar, inovar e empreender. Foi uma mulher de visão longa, conciliadora e sempre presente. Nos ensinou muito, assim como meu pai (Francisco Grillo, falecido em 2012), que nos repassou valores fundamentais. Aliás, comecei a minha vida profissional trabalhando ao lado do meu pai.
Neste dia 13 de fevereiro estão sendo lembrados os 37 anos de falecimento do dr. Aderbal Ramos da Silva. Cite algumas das memórias e ensinamentos mais relevantes que você guarda do seu avô materno, um dos políticos mais importantes de Santa Catarina no século XX.
Guilherme Grillo: Meu avô Aderbal, homem público exemplar, empresário visionário e de liderança vertical (como ele gostava de dizer), deixou marcas profundas em todos os setores em que atuou. Era multifacetado, como definiu o jornalista Luiz Henrique Tancredo na biografia “Doutor Deba – Poder e Generosidade”, uma leitura, aliás, que recomendo muito. Também recomendo a leitura do livro escrito por Moacir Pereira, “Aderbal Ramos da Silva”, sobre a vida do vô Aderbal. Não é por ser meu avô, mas as histórias são muitas e a leitura é maravilhosa, nas penas dos grandes Tancredo e da usina chamada Moacir Pereira. Usina, porque nenhum jornalista produz mais biografias do que ele. E o Tancredo era confidente do meu avô, portanto, conhece detalhes. Quando ele faleceu, eu tinha 21 anos, mas desde os meus 16 era eu o encarregado de ler os jornais do dia a ele (ele já estava com sérios problemas de visão). Imagina o aprendizado que tive com os comentários que ele fazia a respeito dos temas lidos a ele! Uma situação que me marcou foi o dia em que o vi chorando copiosamente enquanto escutava uma matéria lida do jornal O Estado (1983) em alusão aos 25 anos da morte do grande ídolo e mentor dele, o dr. Nereu Ramos. Na realidade, ele nunca superou completamente a perda do tio querido. Ele sempre dizia: "Em matéria de política, o que aprendi foram ensinamentos do Nereu". Eram muito ligados. Meu avô, mesmo com todo o poder que tinha, era um homem discreto e de hábitos simples. Dizia sempre:" Passarinho na muda não canta e nem tudo que reluz é ouro", citando o poeta Augusto Branco. Na política, uma frase que era dele e eu ouvia frequentemente, principalmente quando agiam com deslealdade: "Nunca jogue cascas de banana na frente de quem não sabe o está fazendo. Esse está perdoado...". E virava a página, nunca mais citando o nome do infeliz... Enfim, era um líder nato, amigo dos amigos, e para a família, um sábio e ponto de apoio constante.
Florianópolis ganhou nesse começo de 2022 o Complexo Carl Hoepcke, composto pelo Centro Executivo Carl Hoepcke, o Armazém Rita Maria e o imóvel restaurado ocupado pelo Franz Cabaret. Como nasceu e evoluiu a ideia desse empreendimento?
Guilherme Grillo: O Armazém Rita Maria foi conceituado por nós em 2006. Veja quanto tempo demora um empreendimento deste porte para ser planejado e aprovado pelo poder público! Ele está inserido em uma área de proteção cultural, no Centro da cidade. Os trâmites burocráticos pareciam intermináveis para a aprovação do projeto, que consiste não só no Armazém Rita Maria, mas num complexo corporativo com 20 mil metros quadrados, anexo ao Armazém. Mas, ao final, com a compreensão da Prefeitura de que se tratava de um projeto ímpar e que dotaria a cidade de um equipamento maravilhoso, adequado às leis vigentes, os técnicos da Prefeitura foram felizes e competentes ao dar à cidade este belo presente. Justiça seja feita aos prefeitos Cesar Souza Jr. e Gean Loureiro, e a toda equipe de técnicos dos diversos setores da Prefeitura que, em momentos distintos, compreenderam a grandiosidade do empreendimento. Ficou mais uma vez comprovado, em termos de patrimônio histórico e arquitetura, que o moderno pode e deve conviver com o passado.
Armazém Rita Maria (Foto: Juliano Pfutzenreuter Nunes)
A repercussão da abertura do Armazém Rita Maria, no final de janeiro, foi amplamente positiva. Ao que tudo indica, a população aprovou o reaproveitamento inteligente dos galpões centenários do Hoepcke. Florianópolis, na sua opinião, está sabendo preservar adequadamente sua memória?
Guilherme Grillo: Todo empreendimento no formato do Armazém demora um pouco para maturar. No caso, o sucesso foi imediato devido ao mix de gastronomia, à localização, à operação e à dedicação dos nossos colaboradores. Administrá-lo tem sido e será sempre uma tarefa desafiadora, dia e noite. Quando você tem apenas uma operação gastronômica, muitos detalhes e cuidados já devem ser observados... Imagina quando você trabalha com 20 operações! Sobre a questão da preservação histórica, entendo que Florianópolis perdeu um pouco da sua identidade com o Aterro da Baía Sul. Na época, porém, foi uma obra desejada e aguardada pela população, especialmente devido à construção da Ponte Colombo Salles. Os governantes da época, Ivo Silveira e Colombo Salles, foram visionários. Poucas, pouquíssimas vozes se levantaram contra o aterro, porque era uma questão de prioridade e progresso. Nesse aspecto, o nosso querido e saudoso jornalista Beto Stodieck talvez tivesse razão. Ele sempre dizia que a cidade perderia a identidade. Talvez pudéssemos ter conciliado o aterro com a preservação do mar um pouco mais próximo, como por exemplo, mantido o Miramar, à beira de um lago no meio do aterro. Coisas que não fariam a obra do aterro mais cara, mas que conciliariam mobilidade com preservação. Hoje é fácil falar, mas, repito, na época a prioridade era o aterro e a "ponte nova". Essas obras que a cidade precisa, obras estruturantes, e mesmo as obras privadas como o caso do Complexo Carl Hoepcke onde está inserido o Armazém Rita Maria e o Franz Cabaret, devem ser pensadas junto com a preservação do patrimônio histórico do entorno. Dá para compatibilizar.
Qual é o maior charme do Armazém Rita Maria? É o casamento balanceado entre o antigo e o novo?
Guilherme Grillo: Esse casamento é que preserva. Você não consegue viabilizar e preservar um bem tombado sem uma contrapartida, ou seja, preservar custa dinheiro e para custear o restauro e a preservação deve-se ter fonte de renda. Porque não ao lado? Quem deseja conhecer o Complexo Carl Hoepcke, deve visitar a praça que construímos entre as duas torres modernas, ligadas por um elevador panorâmico ao conjunto tombado. Da praça, tem-se a visão completa do moderno e do antigo preservado, convivendo harmonicamente, num projeto maravilhoso do arquiteto Lauro Santiago. Na parte tombada, o projeto foi do arquiteto Jonathan Carvalho. Então, o charme está justamente aí: o preservado, tombado, lado a lado com o vidro, moderno, refletindo os galpões históricos.
A inauguração do Armazém Rita Maria coincide com um momento em que as esperanças de um fim próximo para a pandemia se renovam. Qual sua previsão para a economia brasileira no curto e médio prazos? Teremos crescimento, mesmo que tímido, esse ano?
Guilherme Grillo: Todos esperamos que essa tragédia da pandemia acabe logo. Todo mundo perdeu um ente querido ou um amigo, mas a vida segue e a roda da economia precisa girar, as pessoas precisam trabalhar, o governo precisa arrecadar para pagar salários e realizar obras que melhorem a condição de vida das pessoas. Por isso, é difícil fechar tudo de uma hora para outra e por muito tempo. Acho que isso já ficou claro. Urbano, todos os economistas erraram as previsões para 2021. Nunca se imaginou que a inflação norte-americana seria a mais alta em 40 anos. A inflação na Europa é a maior da história. Reflexo, evidentemente, da pandemia. Além de inflação mundial, houve uma desestruturação da cadeia produtiva global. O Brasil é um país em desenvolvimento (eterno, mas é ). Portanto, vejo com muita preocupação não só a economia em 2022, mas o " problema" extra das eleições. Os ânimos estão muito acirrados e isso afeta a economia e a confiança no país. Por outro lado, poucos estão ganhando muito dinheiro com essa pandemia e com a quebra da cadeia produtiva. Quem produz pouco e especula muito não quer que a pandemia acabe. E quem vive dela (sim, existe) também não quer o seu fim. Vejo o empresário totalmente cauteloso, com pouco investimento em 2022. Um ponto fundamental quando a economia retomar o crescimento será a mão de obra qualificada. Nisso, estamos numa situação preocupante. No mais, é trabalhar e acreditar.
Por Urbano Salles
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