Criador do pioneiro Orkut admite volta da rede social
Em entrevista exclusiva ao Imagem da Ilha, Orkut Büyükkökten avalia as atuais redes sociais e o impacto da IA
Nosso entrevistado do mês é Orkut Büyükkökten, 49, criador do orkut.com. Ele nasceu em Cônia, na Turquia. Formou-se em engenharia da informática e ciência da computação pela Universidade de Bilkent, em Ankara. Fez mestrado e doutorado em ciência da computação pela Universidade de Stanford, na Califórnia. Sua pesquisa em Stanford se concentrou no uso eficiente do PDA (Assistente digital pessoal, sigla em inglês). Orkut Büyükkökten trabalhou por 10 anos como desenvolvedor de produtos do Google. Ele veio a Florianópolis para uma palestra no Startup Summit, e após o evento ele concedeu uma entrevista exclusiva ao Imagem da Ilha, no LK Design Hotel.
Imagem da Ilha: Como você vê a evolução das redes sociais desde a criação do orkut.com até hoje?
Orkut: Então, desde o orkut.com, duas coisas importantes aconteceram. Uma é muito consumo social, mais smartphones. Ao invés de usar nossos desktops, laptops e PCs, há mais pessoas usando dispositivos móveis para acessar a internet. Foi uma coisa boa. A outra coisa foi como os feeds de mídia social são gerados. Agora, quando você olha para a ordem cronológica, o post mais recente estará no topo do mais antigo e por aí vai. O que aconteceu desde 2009 foi o uso de muita IA (Inteligência Artificial) e aprendizado da máquina para reordenar os posts. Então, os algoritmos criam uma situação que otimiza o engajamento e a viralidade. E isso acaba desencadeando emoções humanas, especialmente a raiva, que são mais propensas a criar engajamentos. Então, como resultado, a mídia social acabou se tornando um lugar que não une as pessoas, mas as separa. Então, onde socializamos, é onde as mídias sociais estão sendo mais hostis.
Nos dias de hoje as mídias sociais trazem desconfiança, causam isolamento, pessimismo, infelicidade, solidão, depressão, ansiedade e graves problemas de saúde mental. E há um risco maior de suicídio, especialmente entre a geração mais jovem, porque eles estão gastando muito tempo nas mídias sociais.
E se você pensar sobre o início das redes sociais, se você pensar como era no meu espaço, o orkut.com tudo mudou. A ideia então era unir pessoas, fortalecer comunidades e criar uma sociedade melhor. Mas hoje as plataformas de mídia social são muito gananciosas e muitas vezes colocam o lucro acima da segurança dos usuários. E como resultado, vivemos em uma sociedade muito fragmentada, dividida e infeliz.
Imagem da Ilha: Você tem alguma história memorável sobre o impacto que o orkut.com teve em usuários ao redor do mundo?
Orkut: Sim, foi muito legal porque ele otimizou o engajamento estrangeiro, é por isso que funcionou tão bem e as pessoas se lembram mais. E as pessoas se casaram e tiveram filhos e essas são as histórias mais incríveis de conexão. Se eu olhar para o meu círculo próximo, meus melhores amigos, tem um que morava em Nova York e simplesmente “foi até a Estônia” pelo orkut.com e conheceu alguém. E agora eles moram juntos e têm filhos. Eu tenho outro amigo que morava no Canadá e ele conheceu uma garota do Brasil e agora eles moram juntos e são felizes no casamento.
E eu tenho várias histórias incríveis que as pessoas me contam como o orkut.com mudou suas vidas. São sobre amizades ou sobre suas carreiras, ou simplesmente de encontrar e se apaixonar pela pessoa certa. O site também disponibilizava listas de comunidades, como uma acessada por um jornalista em São Paulo. Ele cresceu em uma cidade pequena no Brasil. E ele não sabia que era gay até começar a trabalhar em um escritório. Nem sua família, nem amigos, nem seus pais sabiam. E então ele foi ao orkut.com e viu todas essas comunidades LGBT, descobriu que ele poderia fazer parte de uma delas. Ele sentiu que pertencia a elas. Ele sentiu um senso de pertencimento e não se sentia mais tão solitário. Então, se você pensar no orkut.com, houve um tempo em que ele realmente uniu as pessoas e criou comunidades, porque era onde as pessoas se reuniam para conversar sobre coisas que amavam, compartilhavam coisas e pensamentos ou apenas se divertiam. Então, viemos para criar laços íntimos e poderíamos fornecer o lugar onde as pessoas pudessem se reunir em torno do que amavam
Imagem da Ilha: O orkut.com acabou quando o Facebook e outras redes começaram a assumir o controle. Você poderia nos contar como foi esse momento? Por que, na sua opinião, o orkut.com perdeu essa guerra? Quais foram os principais fatores que contribuíram para o declínio do orkut?
Orkut: O fato é que o orkut.com sempre foi um produto do Google. Criei o orkut.com quando era engenheiro de software no Google. Eu era apenas um engenheiro de design e até mencionei que gostaria que os data centers configurassem os servidores para o nosso produto.
Em uma reunião com Eric Smith e Marisa Mayer (CEO), eles estavam prestes a apoiar o lançamento do orkut.com. Eles decidiram apoiar o lançamento público. No entanto, de repente a ideia começou a parecer complicada, isso se você comparar o orkut.com com uma empresa como o Facebook, onde tudo é sobre social, já que esse é o propósito deles. Certo? E se você pensar no Google, que é uma empresa mais sobre organizar as informações do mundo, é uma empresa que trabalha mais sobre pesquisar e encontrar. Uma empresa voltada para mídia social não se encaixava muito bem no grupo Google. Eu diria a ideia desandou por uma razão: o orkut.com nunca recebeu uma atenção mais cuidadosa do grupo. Ele merecia, mas nunca recebeu os recursos suficientes, e na verdade o que tínhamos era uma equipe muito pequena dentro do Google, e era tão pequena comparada com a do Facebook, onde milhares e milhares de engenheiros, marqueteiros e publicitários trabalhavam. Mas ainda assim, mesmo o orkut.com sendo pequeno, o Facebook levou seis ou sete anos para ultrapassar a órbita do orkut.com no Brasil. Então, na verdade, quando começamos o orkut.com éramos muito pequenos.
O último dia do Startup Summit contou com a participação de Orkut Buyukkokten, criador da rede social que leva o seu nome (foto:Divulgação).
Imagem da Ilha: Como você vê o futuro das redes sociais e quais tendências você acredita que serão importantes nos próximos anos?
Orkut: Eu acho que está tudo muito diferente nas mídias sociais. Se você olhar para um conceito de comportamento de compra, você vê tudo isso acontecendo no Instagram e no TikTok. Até mesmo um comportamento de busca como o Google, que muitos adolescentes estão usando, falando num passo que é meio fascinante e avançando, você verá mais impacto da IA e do aprendizado de máquina até por uma URL, temos mais impacto da tecnologia nas mídias sociais, mesmo hoje no Facebook. Você vê toda essa IA durante as fotos e a maioria dos usuários nem consegue dizer se são reais ou se estão alteradas no Instagram.
Chatbots (conversas com máquinas) é o que mais se utiliza agora em cima dessa IA. Eles estão obtendo informação de todos esses perfis, e você nem consegue distinguir da realidade. Vamos acabar em um lugar onde eles estão apenas estão se comunicando com agentes de IA de chatbot, e eu acho isso muito assustador. A outra coisa que está mudando muito são os algoritmos. Eles estão melhorando na otimização para engajamento e são tão inteligentes que podem ver quantos milissegundos você gasta olhando para uma publicação antes de continuar rolando o cursor para baixo, e podem apontar exatamente quais são seus interesses e paixões e, como resultado, qualquer experiência comum que você tenha é transformada em dados e, então, os dados são usados para criar um modelo só para você, onde eles podem colocar seu comportamento e influenciá-lo.
E isso é realmente assustador porque essas empresas são lucrativas. Elas otimizaram a captura do seu pequeno mouse para o usuário e isso tem um conceito devastador.
Imagem da Ilha: Agora, uma pergunta de um milhão de dólares: Como moderar as mídias sociais hoje em dia?
Orkut: Bem, deve haver uma combinação de três coisas. Uma grande ajuda pode ser a moderação do conteúdo por humanos. A segunda é o uso de tecnologias nas mídias sociais. A IA é capaz de esconder ou flexionar sobre um conteúdo que se tornou viral. A terceira parte é realmente ter mais pessoas para olhar as postagens, o contato, e fazer a chamada final sobre suspender ou não, e isso obviamente é caro. Também é importante ficar de olho em pequenas plataformas de mídia social que não têm um moderador de propósito. “Elas” gostam desse conteúdo tóxico, negativo e raivoso, porque é onde “elas” ganham mais dinheiro.
Imagem da Ilha: Você acredita que o modelo atual de rede social ainda tem alguma influência do orkut.com? Se sim, como?
Orkut: Vejo que o orkut.com não era apenas números, mas tinha suas conexões humanas que eram significativas. As pessoas ainda se lembram das conexões que podem ter tido no Community Bill e Origins, e assim como em 2020 com o Twitter.
Só no Brasil, o Orkut chegou a ser mencionado cerca de 7 bilhões de vezes, o que é incrível. Então há muita nostalgia, e é como uma acomodação de muitos grupos.
As pessoas precisam de comunidades e há muita nostalgia pelo tempo que as pessoas tiveram com o orkut.com. Principalmente porque o orkut.com sempre trouxe harmonia, enquanto as outras mídias sociais só trouxeram ódio e sentimentos ásperos, como você sabe.
Como as pessoas estão se conectando agora? Estão tendo conversas significativas? Mais provavelmente não. Isso é uma mudança a partir de uma rede social genuína e autêntica, que ajuda a fazer muitos amigos e, muitas vezes, ajuda a se encontrarem na vida real, cara a cara, e assim por diante. Mas hoje em dia o que se vê em uma mídia social são influenciadores e anúncios.
Imagem da Ilha: Você tem alguma opinião sobre o legado do orkut.com e o impacto que ele deixou nas redes sociais e na internet em geral?
Orkut: Como mencionei antes, só no Brasil, o Orkut chegou a ser mencionado cerca de 7 bilhões de vezes, o que é incrível. Há um chamado ao redor do mundo para o orkut.com voltar, e esse chamado é porque as pessoas são críticas agora, que elas realmente sentem falta da autenticidade. Elas precisam de comunidades, sentem nostalgia por esse tempo. As mais animadas não são exatamente a nossa geração, mas a nova geração. É como a época em que os alunos do ensino médio se tornam universitários. No entanto, alguns deles não perceberam essa mudança. Mas eles também estão tão animados em ter uma rede social ativa, que possam se conectar genuinamente com as pessoas e ter as experiências.
Durante sua passagem pelo Startup Summit, Orkut Buyukkokten falou sobre “Saúde Mental e mídias sociais” (foto:Divulgação).
Imagem da Ilha: Existem registros ou backups do orkut.com que permitem a recuperação de informações específicas, como fotos ou perfis?
Orkut: O orkut.com era um produto do Google. E o Google deu aos seus clientes um período de tempo para que eles baixassem os dados, e depois daquele dia o Google removeria os dados de seus servidores e acredito que eles fizeram isso por razões legais para que não tivéssemos nenhuma responsabilidade por ter os dados das pessoas. Isso é muito lamentável, porque eles sempre recebem solicitações de pessoas dizendo "oh, eu quero minhas fotos antigas de volta", mas para o Google infelizmente não é possível. Removemos todos os dados dos servidores.
Imagem da Ilha: Se o orkut.com retornasse hoje, não seria semelhante ao Facebook? O que poderia diferenciar sua rede das outras?
Orkut: Sim. Uma das principais coisas que seriam necessárias para definir uma nova rede social são valores considerados, não lucros. Essa seria a maior conquista. A outra coisa é se ela buscasse positividade e conexão dentro da comunidade, em vez de otimizar lucro e engajamento ao longo do caminho da realidade. Então seria como uma comunidade de conexão positiva. E seria tudo sobre fortalecer conexões, fortalecer comunidades e criar uma sociedade melhor. Seriam os mesmos valores que orientaram o orkut.com quando começou lá atrás.
Eu acredito que as marcas têm uma grande parte disso em nossas vidas, certo? Você pode ser um grande fã de filmes da Pixar ou Netflix ou Adidas ou até mesmo de caipirinhas, e nós gostamos de ter todas essas marcas fazendo parte de nossas vidas, porque essas são coisas pelas quais somos apaixonados, e gostamos de ter conversas sobre elas, então é realmente importante otimizar a experiência para o usuário, não para publicidade e profissionais de marketing, corporações ou terceiros. Há maneiras como você pode criar uma rede social para se tornar intensa e lucrativa, mas não gananciosa porque esse é o problema. Temos que tomar cuidado para otimizar o dinheiro e não sermos gananciosos.
Imagem da Ilha: O retorno do orkut.com é um desejo de muitos internautas. Afinal, a rede tinha algo de especial tanto que ela é lembrada por muitos anos depois de sua desativação. O que falta, na prática, para que o orkut.com volte ao ar? Uma decisão sua seria suficiente ou há outras questões envolvidas?
Orkut: Eu acho que para trazer o orkut.com de volta, você precisa de investidores. É muito diferente, por exemplo, se você cria um projeto dentro do Google, porque no Google eles podem fazer tudo certo, mas se você está fazendo fora do Google, você precisa ter o investimento para fazer acontecer, e então se houver investidores por aí, e se eles se interessarem pelo projeto, nós poderíamos voltar.
Imagem da Ilha: O orkut.com começou como um projeto do Google, era a "mídia social do Google". E agora? você e o Google não estariam interessados em retornar a esse (bom) projeto para competir com o TikTok e o Instagram? Porque para o Google parece que seria algo que está faltando: uma mídia social, para chamar de sua. Faz sentido?
Orkut: Eu trabalhei no Google durante 10 anos incríveis. A tecnologia deles é fascinante, a engenharia deles é fenomenal, mas eles não são tão bons em produtos sociais, não tão bons quanto na engenharia deles. Então, nesse sentido, você está certo.
Participaram da entrevista:
Entrevista: Hermann Byron
Perguntas: Urbano Salles e Carolina Beux
Edição do inglês: Hermann Byron e Camila Goytacaz
Edição final: Hermann Byron e Camila Goytacaz
Hermann Byron entrevistou exclusivamente Orkut Buyukkokten no LK Design Hotel. (Foto: Camila Goytacaz)
Da redação
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