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Invisibilização de trabalhadores escravizados é debatida por especialistas

Grande número de trabalhadores (as) é negligenciado nas suas necessidades de saúde. (Foto: Divulgação)

Publicado em 29/08/2024

Odoutor em ciências na área de saúde pública e professor da Universidade Federal Fluminense - UFF, Luís Henrique da Costa Leão, publicou na Revista Brasileira de Saúde Ocupacional RBSO, o estudo “O desafio da atenção integral à saúde e da emancipação de trabalhadores escravizados”. O tema foi apresentado pelo especialista no webinar transmitido pelo canal da Fundacentro no YouTube.

Durante a discussão, debatida por Ricardo Rezende Figueira, coordenador do Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo, e mediada pelo pesquisador da Fundacentro e editor da Revista Brasileira de Saúde Ocupacional - RBSO, José Marçal Jackson Filho, os especialistas comentam que a saúde e a emancipação dos trabalhadores escravizados no Brasil estão intimamente relacionadas na história do país.

Durante o período colonial e imperial, os escravizados foram submetidos a condições de vida extremamente precárias, tendo acesso limitado a cuidados de saúde e expostos a doenças, desnutrição e abusos físicos. Após a abolição da escravidão em 1888, os trabalhadores libertos enfrentaram dificuldades significativas. A transição para a liberdade não incluiu políticas de integração ou apoio social, o que os deixou em situação de extrema pobreza, sem acesso à moradia, emprego digno e cuidados de saúde adequados.

Discriminação da população negra

A discriminação continuou a afetar a saúde da população negra, que sofria com condições de vida sub-humanas, com altos índices de mortalidade e morbidade. Além disso, a emancipação foi marcada por uma falta de políticas públicas que assegurassem o acesso à saúde e aos direitos fundamentais. Os escravizados, na maioria das vezes, se viam obrigados a trabalhar em condições semelhantes às do período escravista, perpetuando um ciclo de desigualdade e exclusão social que impacta até hoje a população negra no Brasil.

“É preciso impulsionar novas ações, conhecimento e a prática de enfretamento a situações iníquas, como é o caso da escravização contemporânea. A relação entre saúde e emancipação dos escravizados é, portanto, uma história de resistência e luta contínua por direitos, onde as condições de saúde refletem a exclusão social e a marginalização herdadas do passado escravista”, frisa o Luís Leão.

Retirada de direitos das classes trabalhadoras

Considerando a necessidade específica das classes trabalhadoras, pensar a emancipação associada ao cuidado significa induzir processos de transformação da dominação e das condições de possibilidade das violências e sujeições para promover maior autonomia, participação política, integração social e reconhecimento de direitos dessa população. O doutor em ciências aponta que desde a colonização do país até hoje, muitas pessoas foram escravizadas e exploradas em diferentes períodos do capitalismo. “Esses trabalhadores e trabalhadoras são negligenciados (as) em muitos de seus direitos. O campo da Saúde do Trabalhador no Brasil também necessita de uma recuperação histórica, pois, muitas vezes, é negligenciado”, salienta.

Leão comenta que há uma defasagem entre a realidade concreta da escravização dessas pessoas e a produção teórico-prática relativa às dimensões do processo saúde-doença-cuidado e da emancipação de trabalhadores vulneráveis e resgatados dessa situação.

Além disso, o termo "modern slavery", reconhecido em outros países, também chama a atenção que, no mundo fora do Brasil, se usa a expressão "escravidão moderna" como um termo para tratar de diversas questões. "O tráfico humano, trabalho infantil, escravidão sexual, servidão, casamento forçado, trabalho forçado e o trabalho não-livre estão relacionados a uma série de fenômenos bastante distintos entre si", explica Luís.

Para ele, a exploração humana, que viola a dignidade humana e corrompe a subjetividade do trabalhador, é uma violação grave dos direitos humanos em todas as suas formas, individuais e sociais.

Trabalho livre e trabalho não-livre

“A história brasileira é marcada por um processo lento e desigual de transição do trabalho não-livre para o trabalho livre. Embora tenha havido avanços significativos, o país ainda enfrenta problemas estruturais que afetam a qualidade e a dignidade do trabalho, tanto no campo quanto na cidade”, salienta Leão.

Atualmente, o Brasil ainda enfrenta desafios relacionados ao trabalho não-livre, como o trabalho análogo à escravidão, que persiste em algumas regiões rurais e em atividades como o corte de cana-de-açúcar, a construção civil e a produção têxtil. Fato que é amplamente divulgado grande mídia.  A legislação brasileira proíbe essas práticas, mas a fiscalização e a aplicação das leis ainda são desafios.

Por outro lado, o trabalho livre é regulamentado por uma série de legislações trabalhistas que asseguram direitos aos trabalhadores, como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). No entanto, o país enfrenta altos índices de informalidade e desemprego, o que compromete a qualidade e a segurança das condições de trabalho.

Código penal

Além das convenções citadas pelo palestrante, o código penal brasileiro apresenta uma nova legislação com adições. A Lei 10.803 de 2003, por exemplo, foi fruto de uma intensa luta social, sendo Ricardo Rezende um dos principais atores envolvidos nesse processo. A caracterização do fenômeno é ampliada a partir das realidades vividas no país. As condições de alimentação desses trabalhadores, as condições de moradia, o ritmo e a intensidade das atividades, as violências sofridas, os cerceamentos, a desproteção e o absoluto descuido com a saúde contribuíram para a renovação e a ampliação.

SUS e fluxo nacional de atendimento às vítimas

Luís enfatiza a necessidade de implementar práticas de cuidado emancipatórias e o desenvolvimento de cuidados integrais com o objetivo de diminuir o risco de escravização, auxiliar na superação de vulnerabilizados e atender às necessidades de saúde dessa população.

“O SUS desempenha um papel relevante no combate ao trabalho escravo contemporâneo – TEC, identificando a população que vive em situação análoga à escravidão”, afirma Leão. Em sua apresentação, ele aborda a Portaria nº 1.823, de 23 de agosto de 2012, a qual institui a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora. A Portaria nº 3.484, de 6 de outubro de 2021, dispõe sobre o fluxo nacional de atendimento às vítimas do trabalho escravo no Brasil.

Debate

O debatedor Ricardo Rezende fez algumas considerações e comenta que “os pobres chamados livres no Brasil imperial e colonial em geral, hoje, seriam considerados escravizados pela legislação nacional. Não somente pelas condições degradantes de vida, mas também pelo fato de trabalharem sob coerção e no pretexto de pagamento de dívidas”.

Rezende informa que a pesquisa apresentada por Luís Leão vai ao encontro do documentário “Linha de corte”, de José Roberto Novaes (Beto Novaes), que trata da exploração dos cortadores de cana no interior de São Paulo, sob a perspectiva dos trabalhadores e das pesquisas desenvolvidas na Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.

“Novaes aponta que, em 2000, os trabalhadores tinham que cortar, em média, 10 toneladas de cana-de-açúcar. Há duas décadas, eram de 4 a 6 toneladas. No entanto, após 20 anos, o aumento foi de 12 a 20 toneladas. Ou seja, é evidente que esse ritmo de trabalho pode causar danos à saúde, além das questões sociais que envolvem os familiares”, explica.

Ricardo ressalta que, além da insegurança psicológica (medo, raiva e tristeza), esses trabalhadores estão expostos à falta de higiene no trabalho, à falta de uma alimentação adequada, de água potável e de equipamentos que protegem contra possíveis acidentes.

 

 

Da redação

Fonte: Gov.br

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