Efeitos socioeconômicos: relatório reúne impactos da estiagem e da pandemia no agronegócio catarinense
A estiagem que atinge Santa Catarina desde janeiro provocou efeitos considerados altos na produção agropecuária de 90 municípios, que representam 31,1% do total. Nos outros 205 municípios os efeitos foram classificados como baixos ou médios. É que aponta o relatório “Efeitos socioeconômicos da estiagem e pandemia do novo coronavírus sobre a produção agropecuária de Santa Catarina” elaborado pelo Centro de Socioeconomia e Planejamento Agrícola da Epagri (Epagri/Cepa). A pandemia vem atingindo de forma mais difusa o setor, afetando sobretudo a venda e não tanto a produção.
O levantamento descobriu que o padrão de estiagem se deu de forma distinta, com alguns municípios mais e outros menos atingidos numa mesma região. Apesar disso, é possível afirmar que nas regiões Oeste e Serrana os efeitos da fala de chuva foram mais críticos.
Há registro de perdas na produção agrícola em até 50% da área nos 90 municípios atingidos de forma mais severa pela estiagem. Ainda podem ter ocorrido nestes municípios perdas pontuais na produção agropecuária que ultrapassam 50% da área, entre outros efeitos. Os 205 municípios atingidos pela estiagem de forma mais amena concentram 64,4% dos estabelecimentos agropecuários do Estado, marcados por perdas ocasionais na produção ou nenhum efeito sobre as cadeias produtivas.
Pecuária
Embora a maioria dos produtores de suínos e frangos possua cisternas ou poços artesianos, a intensidade e a duração da estiagem já provocam efeitos. De acordo com o levantamento, até meados de abril havia 639 suinocultores recebendo suplementação de água na propriedade, o que representa 6,4% do total do estado.
No caso da avicultura, foram identificados 419 produtores de frangos recebendo abastecimento de água por meio de caminhão-pipa ou similar, número que equivale a 7,1% do total. Nestas duas cadeias produtivas, as regiões mais afetadas são Extremo Oeste e Oeste.
O estudo revela que até meados de abril havia 535 bovinocultores recebendo suplementação de água na propriedade, para dessedentação dos animais, montante que representa 2,1% do total. As regiões mais atingidas por esse problema são Vale do Itajaí, Oeste e Serra. A degradação de pastagem também aumentou a necessidade do uso de silagem, ração e outras formas de suplementação alimentar para o gado, o que eleva os custos de produção. A qualidade da água também se mostra um problema, tantos para criadores de bovinos como de suínos.
O principal efeito da pandemia nestas cadeias produtivas foi uma queda significativa na demanda por carne suína. As empresas mais afetadas foram as de pequeno e médio portes, que destinam sua produção quase que exclusivamente para o mercado interno. Por conta da queda na demanda interna, os frigoríficos reduziram seu ritmo de abates. Com isso, os preços pagos aos produtores caíram de maneira abrupta.
Levando-se em consideração os preços de 13 de março, semana anterior ao início das medidas restritivas, até 24 de abril, havia sido registrada queda de 4,6% no preço médio estadual do suíno vivo para o produtor integrado e de 25,4% para o produtor independente. Em algumas regiões a situação é ainda mais crítica, como é o caso de Joaçaba, onde o preço ao produtor independente caiu 42,9% no período.
Na avicultura e na bovinocultura foram observados poucos impactos em decorrência da pandemia até agora. Mas a piscicultura e a pesca artesanal sofreram dificuldades na venda ou entrega da produção. O comprometimento de feiras e atividades semelhantes durante a Semana Santa, bem como o fechamento de restaurantes e pesque-pagues, afetaram significativamente a demanda por pescado.
Leite
As estimativas da Epagri/Cepa são de que a estiagem provocou uma redução de 4% na produção esperada de leite para o mês de março e de 8% na produção esperada para o mês de abril. São 26,3 milhões de litros de leite que deixaram de ser produzidos (9,1 milhões em março e 17,2 milhões em abril), que significariam uma receita de cerca R$33,5 milhões aos produtores.
Com relação à pandemia, o problema apontado com maior frequência no levantamento da Epagri/Cepa foi a queda na demanda. Desde abril o quadro geral vem se agravando, com importante redução na procura por alguns lácteos, ampliação das dificuldades na comercialização das indústrias para o varejo e formação de estoques nas indústrias. Com isso, a recomendação de redução de produção, que até meados de abril se restringia a pequenas e médias empresas do Estado, passou também a alcançar as de grande porte.
Frutas
Na fruticultura, as principais culturas afetadas pela estiagem foram maçã, com perdas de 19,6% da produção estimada para a safra, maracujá (perda de 9,5%), e ameixa, com 4,1% de queda na produção. As regiões mais atingidas estão em São Joaquim, Videira, Criciúma, Tubarão e Lages
No sul do Estado, a bananicultura apresentou 98,9% (4,2 mil t) das perdas estimadas na região de Criciúma, devido à falta de chuvas.
Em relação à pandemia, o levantamento aponta que mais de 50% das regiões catarinenses produtoras de frutas não sentiram impacto nas atividades até o início de abril. Em março e início de abril, ocorreram cancelamentos de entregas de bananas do Norte Catarinense (principal mesorregião produtora) aos estados da região Sudeste. Isso pode ser reflexo da suspensão das atividades escolares públicas devido às medidas de isolamento social.
O maracujá catarinense enfrentou redução de 22,5% no volume comercializado, em relação à média nas centrais de abastecimento do país, entre 2015 a 2019. Na relação entres os meses de março de 2019 e de 2020 houve redução de 37,3% no volume comercializado nas centrais de abastecimento do país.
Hortaliças
A irrigação foi a alternativa encontrada pelos produtores de cebola e alho para contornar a falta de chuvas, o que acabou elevando custos de produção. As lavouras alcançaram boa produtividade, com as duas cadeias produtivas apresentando saldos positivos.
A safra de cebola 2019/20 está praticamente encerrada, com a comercialização em fase final em todas as regiões do Estado. A produtividade foi 14,38% maior que no ciclo agrícola anterior, o que compensou a redução de 4,27% na área plantada. Assim a produção foi 9,68% maior do que safra 2018/19, com um total de 532 mil toneladas colhidas em 18.182ha. As regiões de Joaçaba e Campos de Lages tiveram os maiores problemas com a estiagem.
O alho viu a produção crescer 6,52% em relação à safra 2018/19, com produtividade de 10,32 t/ha. Santa Catarina produziu 18.892 toneladas, em 1.831ha colhidos. Agora, as preocupações dos produtores se voltam para a safra 2020/21, que está próxima de ser implantada. A possibilidade de continuidade da estiagem e consequente baixíssima disponibilidade de água para irrigação podem interferir fortemente na quantidade e na qualidade da produção e na remuneração aos agricultores.
A safra da batata, que está quase toda colhida, teve redução de 34,48% na produção total. Boa parte dessa queda é explicada pela redução da área plantada, que passou de 3.757ha na safra 2018/2019 para 2.637ha na atual.
O tomate teve uma safra boa, de maneira geral, sem perdas significativas que possam ser atribuídas à estiagem. Na região de Videira, que respondeu por 54,5% do total produzido no Estado, a quantidade produzida passou de 77.348 toneladas em 2018/2019 para 79.082 toneladas em 2019/2020, um acréscimo de 2,24%. Caçador, com 450ha, e Lebon Régis, com 400ha, são os municípios com maior área plantada no Estado, e tiveram redução na produtividade média de 8,57%.
No que se refere aos efeitos do estado de emergência devido à pandemia, 6.470 toneladas de tomate deixaram de ser comercializadas por dificuldades no escoamento da produção para restaurantes, lanchonetes e merenda escolar.
Grãos
A primeira safra do milho grão contabiliza uma perda próxima de 10% em relação ao período passado, devido à estiagem. Esta safra contribui com 97% do total produzido no Estado. Na segunda safra, que está a campo, as perdas já ultrapassam 9%, índice que deverá aumentar com o efeito prolongado da estiagem. Para o milho grão total, que representa a soma das duas safras, a estimativa de perdas acumuladas de produção é superior a 10%. A produção esperada até o momento é de 2,59 milhões de toneladas, mas esta estimativa pode se reduzir conforme avança a colheita. As microrregiões de Curitibanos e Campos de Lages registram entre 24% e 42% de queda na produção.
A estiagem comprometeu cerca de 3% da produção na primeira safra do feijão (responsável por 60% do produzido no Estado), em comparação à safra anterior. Na segunda safra, as perdas acumuladas na produção já chegam a 12%, com tendência de aumentar como efeito da estiagem. Em se confirmando essas estimativas, a safra de feijão total deverá ter uma redução na produção superior a 7%. Nas microrregiões de Campos de Lages e Curitibanos, o feijão primeira safra deverá ter redução na produtividade entre 10 e 30%.
Na soja, as perdas de produção ocasionadas pela estiagem foram mínimas, estimadas em 1%, índice que pode se elevar, uma vez que a colheita ainda não finalizou. Nas microrregiões Campos de Lages, Curitibanos e Joaçaba ocorreram reduções na produtividade de 10 a 30% na maioria dos municípios, com alguns registrando, inclusive, perdas superiores a 40% na comparação com a safra passada.
Com relação à pandemia, a preocupação dos produtores de grão está relacionada ao próximo plantio. Os custos de produção devem se elevar, já que os preços de insumos, como fertilizantes e agrotóxicos, atrelados à variação do dólar, deverão subir consideravelmente na safra 2020/21.
A disponibilidade de crédito rural também preocupa. O próximo ano agrícola deverá ser de incertezas, e na tentativa de se resguardarem, as instituições bancárias poderão ficar mais exigentes com relação às garantias para os contratos de financiamento. A redução dos juros que vem ocorrendo nos últimos tempos contribui em grande medida para o tomador de empréstimo, contudo depende de decisões do governo federal, como a implementação de linhas de crédito com juros atrativos e a disponibilização de recursos por parte das instituições financeiras. É fundamental que as medidas se voltem para os setores mais impactados, em especial a agricultura familiar, com produção voltada ao mercado interno, que, em função das medidas de distanciamento social, impactam fortemente o consumo.
Comercialização
Com relação à comercialização de frutas, verduras e legumes (FLV), as feiras livres foram o tipo de mercado afetado em maior número de regiões, tanto pelos efeitos da estiagem, como pelas restrições decorrentes da pandemia. Para os outros tipos de mercado houve queda nas vendas em cerca de 50% das regiões. Nas redes de supermercados, o aumento nos preços aparece como principal fator de impacto, o que também é observado em mercados de bairro, em menor proporção.
Contudo, em mercados de bairro, supermercados e vendas diretas, em mais de 45% das regiões ocorreu uma manutenção no consumo. Esta percepção pode estar relacionada a um aumento dos serviços de entrega domiciliar de produtos FLV nas principais regiões metropolitanas do Estado.
Da redação