Velhice, solidão e superação em Hemingway, por Luzia Almeida

. A velhice é um problema sério para algumas pessoas que não aceitam suas consequências. Envelhecer não é uma opção. Mas, pra outras pessoas a velhice é apenas um conceito. Há quem faça comparações poéticas entre estados do corpo como fez Cecília Meireles:
“Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.”
Mas, há quem ressignifique o conceito de velhice a partir da superação: as mãos de Santiago não perderam a força nem seu coração perdeu o vigor.
O corpo é uma máquina: tem prazo de validade. Não adianta fazer cirurgia, a aparência pode melhorar, mas a certidão de nascimento não aceita bisturi. Então, é viver cada minuto da melhor maneira possível como fez Santiago, personagem do conto “O velho e o mar” de Hemingway, publicado em 1952. Mas, pensarmos em envelhecimento hoje, pode ser um seguro de qualidade de vida para o amanhã dos jovens. Boa alimentação e exercícios físicos podem ser o pagamento deste seguro.
Santiago “era um velho que pescava sozinho em seu barco, na Gulf Stream. Havia oitenta e quatro dias que não apanhava nenhum peixe.” Oitenta e quatro dias sem pescar nada! É extremamente doloroso para um pescador uma situação dessas. Ainda! Ele perdeu Manolin, o ajudante, porque os pescadores estavam “convencidos de que o velho estava salao, isto é, um azarento da pior espécie”. O estigma, sempre o estigma a devorar a conduta das pessoas; a marcá-las como se fossem gado.
E foi que o velho Santiago seguiu para o mar no oitavo quinto dia e conseguiu pescar um peixe que é quase do tamanho do seu barco. Ele precisou lutar muito para levar o peixe até a praia e exibi-lo àqueles que o depreciaram. É uma luta solitária. Manolin nem imagina o quanto sua presença animaria o velho: “—Gostaria de ter o garoto aqui comigo — falou o velho em voz alta. — Estou sendo rebocado por um peixe e sou eu o poste ao qual está preso o reboque”. E, outra vez: “— Gostaria tanto de ter aqui o garoto! Para me ajudar e para ver isto”. Notam-se os verbos “ajudar” e “ver”. São verbos que norteiam a capacidade do velho numa tarefa hercúlea. Ele precisa de ajuda e de respeito enquanto pescador. Mas Manolin não está, sua luta com o grande peixe é solitária. Um podium sem plateia é metade. A medalha de ouro de Santiago não tem aplausos, no entanto ele vence todos os obstáculos e mesmo com os tubarões devorando sua presa, ele não se deixa vencer naquilo que se propôs: sua pesca. E com sua pesca na praia, atirada a todos os olhos ele trinfou porque nunca, ninguém no povoado havia pegado um peixe daquele tamanho.
Quando se pensa na solidão de Santiago, em alto mar, lutando com o peixe, o sentido de velhice dá uma trégua. No mar, ele não é um velho pescador, é um homem que teima em orientar sua conduta nesse novo significado que a vitória da pesca conduz. Ele, que era um salao, caminha agora na praia convicto de que sua existência tem o brilho que muito passa da mediocridade. E saboreia sua história que será contada na vila dos pescadores durante muito tempo.
A superação desbanca o espelho quando a atitude desmente as rugas. A prova e o troféu da vitória (o esqueleto do peixe) ficam estendidos na praia pra quem quiser ver. “Eu não tinha este rosto de hoje” disse Cecília, mas Santiago pouco se importa com o rosto se, de novo, conseguiu a admiração de Manolin e deixou os oitenta e quatro dias no fundo do mar.
Sobre o autor

Luzia Almeida
Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação
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