00:00
21° | Nublado

O consumo do afeto nas relações
Uma reflexão sobre a constante ameaça do novo e a promessa de que há sempre algo melhor nos esperando

Foto: Reprodução

Publicado em 19/06/2020

Em nossa atual sociedade, aquela em que estamos desenvolvendo o gosto pelo consumo desenfreado, existem alguns novos elementos fundamentais que fazem parte dos nossos dias: a vaidade – no sentido de ser reconhecido pelo outro, e a novidade. De forma automática, encaminhamos o que denominamos obsoleto para sua imediata substituição, e fazemos assim com tudo, desde objetos que podemos comprar com apenas um clique no computador, bem como com os nossos afetos.

A vida afetiva é constantemente ameaçada pelo novo e pela promessa de que há algo sempre melhor nos esperando. Há algo lá fora que pode nos dar mais prazer, nos fazer pensar que somos mais bonitos, mais novos, mais interessantes e acrescentar o inesperado de forma instantânea, nos gratificando imediatamente. Nossas relações perdem a importância na medida em que temos ao nosso dispor muitas alternativas. Na verdade, sempre as tivemos. O que muda agora?

Chegamos no momento de nossa cultura em que o que prevalece é a qualidade de nossas experiências – e pagamos preços altos por isso. Se por qualquer motivo nos sentimos desmotivamos ou enfadados, isso já é o suficiente para nos voltarmos em busca do novo, aquilo que faria com que sentíssemos paixão, desejo e que nos valorizasse, já que como o novo ainda não reconhece os meus defeitos, o envaidecimento é garantido.

Quando troco de relacionamento como troco de roupa, o sentimento de ser mais interessante se sobressai, e me dá a falsa impressão de que tudo se renovou. Mas o ciclo é repetitivo e cruel, e com o passar dos dias as máscaras caem, e novamente me encontro no mesmo ponto. Como a intimidade, cumplicidade e amizade são questões sólidas em um relacionamento longo, muitas vezes as pessoas não se deixam chegar na construção destes pilares, pois temem a intimidade, considerando que ela pode revelar esferas enfraquecidas da sua personalidade.

A dualidade das relações passa por várias questões da experiência humana e nos faz querer coisas de uma forma que não seria possível vivenciá-la. Queremos um relacionamento, mas ao mesmo tempo queremos liberdade; queremos novidade a todos os momentos, mas nos chateamos com a rotina; queremos muito nos relacionar, mas não queremos nos disponibilizar para tudo que está incluso em um relacionamento: estarmos preparados para enfrentar dificuldades e desgostos, como também colhermos os frutos de uma relação duradoura e amorosa.

Queremos ser felizes de forma constante, mas esquecemos que a felicidade nada mais é do que uma coletânea de momentos. 

Estamos vivendo em um tempo que nos deixou afetivamente mal educados, onde cuidar do estabelecimento de um vínculo passa a ser uma tarefa hercúlea e sem prioridade. Os laços desfazem-se facilmente com qualquer obstáculo, as brigas já viram motivos para pensar em separar e estamos sempre de olho no que tem lá fora, como o que aquilo que estamos avistando fosse a solução de nossos problemas e nossas dores.

Não sabendo administrar sentimentos, muitas relações mantêm-se rasas, e nosso egocentrismo ganha cada vez mais espaço. Mal percebemos que o individualismo que vivemos tão avidamente não é funcional, e que para crescermos e nos desenvolvermos será necessário assumir que precisamos estabelecer vínculos fortalecidos e duradouros com outras pessoas.