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Coronavírus e a nossa ambiguidade
O tempo que desejávamos antes não é exatamente o que queremos agora

Ninguém sabe o que vem pela frente, mas, com certeza, o momento atual ficará marcado para sempre em nossas vidas (Crédito de foto: Reprodução)

Publicado em 08/05/2020

Em tempos de Covid-19 e consequente isolamento imposto a todos nós, me vi várias vezes refletindo sobre a nossa ambiguidade e contrariedade. Me veio à mente um conceito da psicologia que provavelmente muitos de vocês que estão lendo esse texto não tenham conhecimento. Mas o tema é tão propicio que faço questão de compartilhar.

O que está acontecendo? Se antes gostaríamos de ter tempo para ficar em casa e estudar, maratonar seriados, dormir e arrumar “aquele armário” que está nos esperando há meio ano, estudar e ficar o tempo que quisermos na internet, agora, que nos foi concedido este tempo, não conseguimos nos beneficiar dele. Se antes, nos sentíamos culpados por não darmos atenção aos nossos filhos, por estarmos sempre sobrecarregados e cansados, neste momento o isolamento também nos permitiu ficar com eles 24 horas, durante muitos dias, porém, encontramo-nos estressados com a convivência intensa e forçada. De certa forma, muitos de nós não está satisfeito e feliz com esta oportunidade. E é sobre isso que quero falar, o que na psicologia chamamos de reatância psicológica.

Isso ocorre quando somos privados de nossa liberdade de ir e vir e de fazer escolhas. Nos sentimos ameaçados e ficamos reativos àquilo que nos foi imposto, passando a desejar exatamente o contrário. Tentamos assim, restabelecer o que estamos perdendo para entrarmos novamente no centro de nossa normalidade.  O ser humano é realmente ambíguo, e vivencia as situações de acordo com o que seu mundo interno permite.

Se nossas relações estavam embasadas no mundo virtual oferecido principalmente pelos aplicativos disponíveis em nossos celulares, nunca ansiamos tanto por encontramos uns aos outros, por sairmos e voltarmos a frequentar os lugares normalmente. As crianças, nascidas já com o domínio da tecnologia e fascinadas pela mesma, encontram-se entediadas com a excessiva exposição às telas e externalizam a saudade dos amigos e das brincadeiras. E isso é muito bom. Vivemos o tempo da reatância psicológica que nos faz querer evitar tudo aquilo que, desconfiávamos, já estávamos saturados.

E o que vem pela frente? Na verdade, ninguém sabe. O que penso é que estamos passando por uma experiência que ficará marcada em nossas vidas. Andávamos acelerados demais e, tudo indica, que continuaremos a fazer da mesma forma quando este momento se extinguir. A diferença é que, por termos passado por esta turbulência, provavelmente iremos valorar as coisas de outra forma. Daremos importância ao que de fato é importante.

E isso me faz relembrar os invernos que passei nos EUA enquanto morei lá. Nos lugares onde o frio impera, já há a condição preexistente do isolamento no qual estamos sendo submetidos aqui. E sempre achei muito estranho, pois quando as temperaturas aumentavam um pouquinho, e ficavam por volta dos 15 graus, e o sol aparecia timidamente, já era motivo para os americanos saírem às ruas de regata e chinelos de dedo. Achava curioso este comportamento, porque ainda estava frio. Agora entendo. Eles de fato davam valor ao calor do sol e à perspectiva de dia bonito que estava lá fora. Eles já sabem o que é ficar privados do calor e da luz “meses a fio” durante o ano e, por isso mesmo, já sabem a importância de um dia mais quente, que relembra que as coisas são cíclicas, e que depois que tudo passar o sol voltará a aquecer e brilhar novamente. Afinal, momentos difíceis não são permanentes, cabendo a cada um de nós aproveitarmos as oportunidades que este momento nos concede.