Conversar, que arte é essa?
“Um procura um parteiro para os seus pensamentos, outro, alguém a
quem possa ajudar: é assim que nasce uma boa conversa.”
Friedrich Nietzsche
Nós fazemos isso desde sempre, a toda hora. Conversamos com quem está por perto, mais com os mais próximos, mas também com desconhecidos, pessoas que nos atendem no comércio, quando vamos a uma consulta, com colegas e professores. Marcamos com amigos uma pizza, um bar, um programa qualquer porque precisamos nos conectar, precisamos falar e precisamos ser compreendidos.
É da nossa natureza a expressão e é através dela que nos revelamos ao mundo e estabelecemos diálogos possíveis. É através dela que desenvolvemos o senso de pertencimento. Problemas na comunicação afastam essa sensação de que pertencemos àquele lugar, àquelas pessoas.
Mesmo antes da fala, nós tentamos uma comunicação, nós mostramos as nossas necessidades e sensações, agradáveis ou não. É através desse diálogo que aprendemos, gradualmente, a pensar. E mais tarde, é a partir de algumas conversas que chegamos a conclusões, que nos habilitamos a fazer determinadas escolhas e elaboramos novas perguntas, que decidimos com mais clareza quais caminhos vamos trilhar. Nem vamos mencionar os pequenos problemas do dia a dia que conversas rápidas ajudam a solucionar. Sem estas conexões, o pensamento tende a ficar empobrecido, levando-nos a tomar decisões no automático. É a partir das trocas que estabelecemos que vamos construindo sentidos. Sem a comunicação nos sentimos sozinhos, isolados e a nossa vida mais parece um laguinho de água parada.
Entretanto, a comunicação, "colocar em comum" alguma questão, experiência ou sensação, requer não só a fala, mas, principalmente, a escuta. Rubem Alves, na crônica Escutatória, conta que um amigo seu, quando esteve com indígenas e os participantes estavam todos presentes para uma reunião, ninguém falava imediatamente, todos permaneciam em silêncio à espera do pensamento essencial. E quando o silêncio era interrompido, logo em seguida fazia-se novo silêncio. Era preciso absorver o que foi dito, refletir, considerar. Não era só um silêncio exterior que estava presente, mas um silêncio interior.
Quando realmente estabelecemos um verdadeiro diálogo, alguns requisitos normalmente estão presentes. O primeiro talvez seja essa intenção de ouvir, a disponibilidade para estar com, e de fato, ter um interesse genuíno pelo outro. Observar, sentindo o que nos diz, pelo que nos informa com as palavras, mas também com o seu corpo, com a sua entonação, com os tons da sua voz. Em segundo lugar, os dois silêncios, aquele que permite a expressão do outro, o silêncio externo, e aquele dentro de nós. Um pausar de pensamentos, ou uma suspensão temporária deles, não para retomá-los necessariamente depois, mas para ouvir de forma aberta, portanto sem julgamentos e sem a necessidade de oferecer uma conclusão com rapidez.
A qualidade da nossa resposta que virá é proporcional à nossa capacidade de ouvir. Essa abertura para escutar é um descanso que damos, de nós mesmos. É sobre relaxar a necessidade de mantermos uma “coerência” sobre a nossa performance, sobre o que viemos construindo como imagem e que acabamos por acreditar que nos define. Então, na escuta aberta não há tensão. Não precisamos nos obrigar a darmos uma resposta genial, uma contribuição imprescindível. Na realidade, o que acontece é que o outro precisa antes da nossa escuta, mais do que de uma resposta, ele precisa do nosso acolhimento. O que ele nos diz está carregado de emoções, de sentimentos, e são eles que reclamam um lugar no nosso “colo”.
A neurociência reconhece que não há ampliação da consciência sem o sentimento. Não há aprendizagem se separamos a razão daquilo que sentimos. Há sempre uma pergunta embutida que se segue a um relato: “você me entende?”. Dificilmente entendemos o outro se não nos abrimos para ele, se não estamos realmente presentes, se colocamos a nossa bagagem — que nos acompanha e que pensamos sermos nós, na frente da nossa escuta; ou se estamos ansiosos e nos projetamos para o futuro, no que precisamos fazer depois. Dialogar é uma arte e precisa, como toda arte, ser aprendida. Ela faz uma importante diferença na vida de todos nós.
Quando crescemos em ambientes onde não há diálogo, crescemos mais frágeis, sem as bases para que possamos nos lançar no mundo com segurança. Quando adultos, a forma como desenvolvemos a capacidade de reflexão, o contato e o pensamento sobre a nossa própria vida, é muito semelhante com a forma como “dialogaram” conosco na infância. Não só o que pensamos, mas como pensamos, o que achamos de nós mesmos, a nossa percepção do mundo, as escolhas que fazemos, tudo está relacionado ao ambiente e às relações que estabelecemos nos primeiros anos de vida.
Na crônica “O que acontece no meio”, Martha Medeiros escreveu “que harmonizar o que pensamos, sentimos e fazemos é um desafio que leva uma vida toda.” Mas certamente diálogos na infância e na adolescência podem tornar tudo muito mais fácil e menos doloroso. Para terminar, na mesma crônica ela nos chama a atenção para o fato de “Que Veneza, Mykonos, Bali e Patagônia são lugares excitantes, mas que incrível mesmo é se sentir feliz dentro da própria casa". Ou seja, estar bem consigo mesmo e poder estabelecer boas trocas com quem mais amamos.
Texto por Denise Evangelista Vieira
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Sobre o autor
Denise Evangelista Vieira
Psicóloga formada pela UFSC e em Artes Cênicas pela Udesc. Escreve sobre o universo humano. Quem somos e em quem podemos nos tornar? CRP 12/05019.
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