Como um nadador na água, por Denise Evangelista
Um mergulho nas tensões e nas buscas da vida contemporânea, entre galáxias distantes e o cotidiano urgente

Caso encontrasse o Gonzaguinha hoje e ele me perguntasse — O que é, o que é? , eu diria que a vida é busca. Busca de “contorno”, busca de sentido, busca de entender a própria vida, busca de realização das nossas potencialidades e de nossos sonhos, busca de acolhimento, de pertencimento, de alguma coisa que nos dê segurança. Nessa busca traçamos tão diversificados caminhos.
Abri o jornal esses dias e descobri, espantada, um desses percursos: o projeto científico da Agência Espacial Europeia (ESA) que publicou, recentemente, um pacote de dados a partir da missão do telescópio espacial Euclid. A ESA, no dia 19 de março, revelou que, em uma semana de observações, varrendo três regiões do céu, detectou 26 milhões de galáxias em até 10,5 bilhões de anos-luz, distância que a luz percorre em um ano (9,5 trilhões de quilômetros). De acordo com o astrofísico Chris Duff, da Universidade de Lancaster, na Inglaterra, o Euclid “está explorando objetos mais distantes no Universo com uma quantidade maior de céu explorada do que qualquer pesquisa anterior para objetos tão distantes”. (Dunham - Folha de São Paulo, 24-03-25, p. B16). Parte desta publicação reúne num mesmo catálogo, pela primeira vez, mais de 380 mil galáxias de várias formas e tamanhos. A expectativa desse projeto é obter imagens de mais de 1,5 bilhão de galáxias. Esses números me provocaram um pequeno deslocamento mental sobre as perspectivas, muito mais próximas, dos nossos problemas cotidianos que exigem tanto de cada um de nós, nos envolvem e dão forma àquilo que chamamos de existência.
Estamos mergulhados num Universo grandioso, o qual ignoramos solene e cotidianamente; é como se ele ficasse escondido debaixo das lutas e preocupações que se seguem, dia após dia, durante todo o frenesi de uma vida. O espaço, repleto de estrelas, fica como que em segundo plano na nossa consciência. Está lá, de vez em quando olhamos para ele, mas estamos mais envolvidos com questões imediatas. A nossa percepção, me parece, de um modo geral, se vincula ao que é mais próximo ou mais urgente. O Universo “funciona” mais como se fosse um cenário e menos como parte da trama. Não o consideramos, verdadeiramente, como correspondente do microcosmo no qual estamos inseridos.
Na contemporaneidade, limites sobre a nossa sobrevivência vêm se impondo. As emergências climáticas, com seus eventos extremos cada vez mais presentes, as guerras, a chamada nova era armamentista, as desigualdades sociais gritantes, a violência, especialmente nos grandes centros urbanos, a volta da extrema-direita propondo retrocessos de todo tipo, vêm evidenciando a vulnerabilidade da vida no planeta.
No meio dessa busca frenética e desse turbilhão de incertezas, fica cada vez mais difícil manter-se saudável. Entretanto, há pequenos paraísos com o poder de nos confortar, fazer com que nos sintamos menos sozinhos e menos perdidos. Oásis que, de vez em quando, nos fornecem a segurança necessária para que, mesmo momentaneamente, consigamos relaxar. Como afirmou Freud ao jornalista George Sylvester Viereck, “(...) todo ser humano, não importando a intensidade do seu desejo de viver, anseia pelo Nirvana, pelo fim da febre chamada vida (…)", todo ser humano procura por um estado de repouso.
O desejo de saber quem somos, de ampliar o nosso conhecimento, nos impulsiona; a busca pela sobrevivência, as nossas necessidades, que precisam ser renovadamente satisfeitas, nos impele ao movimento.
Algumas vezes chego antes do meu horário da natação e fico sentada ao lado da piscina esperando uma vaga para iniciar o meu treino. Sem me dar conta, começo a observar pessoas que estão iniciando e outras que já nadam há mais tempo. Observo a diversidade de corpos no contato com a água, pessoas de diferentes idades se exercitando, aprendendo ou aperfeiçoando o seu nado. Vejo que tensões em diferentes partes do corpo dificultam a flutuação, ou seja, tanto para nadar com mais desenvoltura, como para boiar, é preciso estar entregue à água, de corpo inteiro. O movimento é necessário, mas a tensão é contraproducente. A sobrevivência nos exige o movimento, mas a sensação de estarmos vivos nos pede relaxamento. Aprender a relaxar em movimento é talvez um dos grandes desafios da nossa contemporaneidade. É o que os pequenos oásis nos propõem, ao mesmo tempo que nos restauram as forças. Conexões saudáveis, o silêncio, a contemplação, o descanso, o sono, para algumas pessoas, determinadas filosofias e religiões, a arte, as terapias, o contato com a beleza e com as forças da natureza nos dão pequenas doses que nos lembram que, como um nadador na água, quanto mais relaxados estivermos, melhor sustentados nos sentiremos pela misteriosa, porém densa e translúcida vida.
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Sobre o autor

Denise Evangelista Vieira
Psicóloga formada pela UFSC e em Artes Cênicas pela Udesc. Escreve sobre o universo humano. Quem somos e em quem podemos nos tornar? CRP 12/05019.
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