Cilada e mistério em “A armadilha” de Murilo Rubião, por Luzia Almeida
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“Alexandre Saldanha Ribeiro. Desprezou o elevador e seguiu pela escada, apesar da volumosa mala que carregava e do número de andares a serem vencidos. Dez”. É assim que começa o conto “A armadilha” de Murilo Rubião, publicado em 1965, e é um conto interessante pela ousadia de contar-nos somente a consequência. Ao escritor reserva-se o direito de contar a causa ou não: Machado de Assis preferiu não contar tudo sobre “Capitu” e o Murilo, também. Entre “Capitu” e “Alexandre” espiamos pelas brechas das hipóteses e nos deleitamos com o que há de melhor na literatura brasileira.
Mas esse negócio de espiar pelas brechas não é muito direito. Vamos maquiar estes verbos: olhamos os detalhes pelas frinchas das páginas (de mãos dadas com o eufemismo). Agora, sim! Sigamos o nosso “Alexandre” que, infelizmente, caiu numa armadinha. Mas, acredite, se a armadilha tem uma causa terrível, essa causa não fica esclarecida como tantas causas que nos rodeiam e nos deixam e inundados de interrogações e de exclamações: “Como é possível uma coisa dessas?”; “Não posso acreditar que fulano foi capaz!...”; “Mas, ninguém viu isto?!”. E vamos seguindo com nossas dores e exclamações ao longo do tempo.
Quanto ao conto de Rubião, é necessário entendermos que o personagem “Alexandre” aprontou uma dessas aberrações que levam à vingança. Outra coisa interessante para elaborarmos: se “Bentinho” não tinha certeza de traição de “Capitu”, isto não ocorre com o rival de “Alexandre” que o aguardou pacientemente. Por que será? “Elementar, meu caro Watson!”. Alguma coisa “Alexandre” havia aprontado. Um rival que aguarda Alexandre num prédio abandonado e pergunta por uma mulher: “—Antes que me dirija outras perguntas — e sei que tem muitas a fazer-me — quero saber o que aconteceu com Ema”. Ele quer saber o que aconteceu com Ema, mas Alexandre “não” sabe: “— Nada — respondeu, procurando dar à voz um tom despreocupado”. Mas é um “nada” tão sem sal que nem o rival, nem o leitor acreditam. “Nada” é um distrator, não é o gabarito. E, embora não saibamos o que aconteceu com Ema, ficamos sabendo o que aconteceu com Alexandre que retorna, depois de anos, a um prédio abandonado e se encontra com seu rival.
No plano literário fica estabelecido toda a arquitetura de uma vingança e no plano racional fica estabelecida a hipótese da causa. Somos envolvidos emocionalmente com a ficção de Murilo Rubião. Isso sim que é legal e a principal pergunta que o leitor faz é essa: o que foi que Alexandre aprontou? Sim, porque alguma coisa ele fez pra cair numa armadilha — muito cansado — ao chegar ao décimo andar. E também ficam estabelecidas as suposições sobre o tipo de relação que o ligava ao rival: “Começava a escurecer. Um silêncio pesado separava-os e ambos volveram para certas reminiscências que, mesmo contra a vontade deles, sempre os ligariam”.
O laço que atrai “Alexandre” poderia ser evitado se estivesse no plano humano. Pessoas fazem coisas erradas e são passíveis de punições. Mas há sempre a possibilidade do arrependimento. Todavia, melhor mesmo é escapar das garras de um escritor que admite uma estratégia vingativa e nem se incomoda com a nossa curiosidade. O que “Alexandre” fez nunca saberemos, mas sabemos que aconteceu alguma coisa com “Ema” porque o “nada” de “Alexandre” estava prenhe de dor e de vergonha.
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Sobre o autor
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Luzia Almeida
Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação
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