Mulher no poder: a trajetória vitoriosa de Marilisa Boehm
Após três décadas atuando na Polícia Civil, onde alcançou destaque na defesa das mulheres, a joinvilense Marilisa Boehm é vice-governadora de Santa Catarina desde 2023. Em meio às comemorações pelo Dia Internacional da Mulher, o Imagem da Ilha colheu suas análises sobre o universo feminino e a experiência no Executivo em entrevista exclusiva.
Imagem da Ilha: A senhora foi a primeira delegada mulher de Joinville e fundou a Delegacia da Mulher na cidade, da qual foi titular durante 24 anos. No decorrer desse período, em 2006, foi aprovada a Lei Maria da Penha. Com base nos dados mais recentes, qual avaliação a senhora faz sobre o atual quadro de violência contra as mulheres em Santa Catarina, incluindo os crimes de assédio e importunação?
Marilisa Boehm: A violência contra a mulher é, infelizmente, uma questão cultural. Durante toda minha carreira como delegada sempre afirmei que é algo que precisamos combater diariamente para mudar essa situação. Isso é feito com educação da sociedade, desde a infância, com meninos e meninas, jovens e adultos, e com atuação permanente das forças de segurança. Dados recentes da Secretaria de Estado da Segurança mostram que houve uma redução de 7,1% nos casos de violência doméstica se compararmos janeiro de 2024, quando existiram 8.733 ocorrências, com janeiro do ano anterior, quando foram registrados 9.403 casos. Isso é fruto da prevenção e o combate à violência contra a mulher e aos feminicídios, que é uma prioridade do governador Jorginho Mello e minha. Estamos, inclusive, ampliando a quantidade das Salas Lilás nas delegacias pelo Estado, onde as mulheres são acolhidas e têm atendimento humanizado. No ano de 2022 eram somente quatro, número que ampliamos para 20 em 2023 e a nossa programação é, ao fim de 2024, contarmos com 65 unidades. É importante destacar ainda que o governo vem, desde 2023, fazendo investimentos em treinamentos, infraestrutura, equipamentos e viaturas para as polícias Civil, Militar, Científica e Corpo de Bombeiros. Tudo isso ajuda também na diminuição dos índices de violência em todos os setores. Ano passado, por exemplo, isso aconteceu em nove dos 11 índices. Mas estamos trabalhando sempre com a meta de melhorar ainda mais, pois a segurança é uma das metas de todos os catarinenses.
Quando decidiu ingressar na carreira policial, a senhora sofreu algum tipo de preconceito?
Marilisa Boehm: Sim. Era uma época em que a profissão, na prática, era quase que uma exclusividade para os homens. Senti isso assim que fui nomeada delegada em Joinville. No início houve muita resistência à Delegacia da Mulher. Havia até quem dizia que era algo inconstitucional, pois, na avaliação de alguns setores, seria uma delegacia de gênero. Algo que, obviamente, era uma inverdade. Foi necessária dedicação cotidiana minha e da valorosa equipe que atuou comigo, incluindo mulheres e homens, para mudar o cenário. E isso se deve também ao permanente apoio da imprensa de Joinville, que imediatamente viu a importância do enfrentamento à violência doméstica. Aos poucos, com a visibilidade gratuita mostrada por jornais, rádios e emissoras de TV, houve um redirecionamento na forma de pensar das pessoas.
Com dois filhos e dois netos, como a senhora conciliou e concilia a vida familiar com a carreira profissional?
Marilisa Boehm: Do mesmo modo que todas as demais mulheres: com amor incondicional e dedicação integral.
Quando nasceu o desejo de entrar para a política? Antes de 2022, a senhora perdeu três eleições. Afinal, as eleitoras tendem a votar mais em candidatas mulheres ou isso não existe?
Marilisa Boehm: A ideia de migrar para a política surgiu ainda quando eu era delegada. Por muitos anos participei de reuniões e debates com outras entidades públicas, sempre levando minhas ideias e projetos para mulheres, crianças e idosos. Sempre fui aplaudida, mas nada era feito. Notei que, para colocar em prática essas propostas, eu precisaria entrar na política. Sobre os votos das mulheres, acho que talvez pelo fato de a política também ter sido durante tanto tempo um setor masculino, muitas ainda votem em homens. Mas a tendência clara é que isso vá mudando a cada nova eleição. Neste momento Santa Catarina tem uma vice-governadora, uma senadora, deputadas federais e estaduais, prefeitas, vice-prefeitas e vereadores. Nossas ações, independente de ideologias e partidos, são cada vez mais noticiadas e isso, não tenho dúvida alguma, atrai e atrairá muitas eleitoras.
Conte-nos um pouco do seu dia a dia como vice-governadora e a sua dinâmica de relacionamento com o governador e sua equipe, lembrando que na campanha a senhora afirmou que não seria uma "figura decorativa" caso fosse eleita.
Marilisa Boehm: Quando o então senador Jorginho Mello me convidou para disputar a eleição com ele, aceitei após escutá-lo dizer que desejava ser governador para cuidar das pessoas. E, no mesmo momento, afirmei que não entraria em uma campanha apenas para participar, que desejava trabalhar com ele. E isso é o que acontece desde 1o de janeiro de 2023. Estamos em contato e sintonia todos os dias, com diálogo aberto e fraterno.
Como governador, ele tem uma agenda muito intensa, precisa estar em vários locais do Estado, algo que, muitas vezes, faz com que eu o substitua em compromissos que exigem a presença do Governo do Estado. É assim nas agendas com embaixadores de outras nações para assegurar o aprimoramento das relações do Estado com países que podem e querem investir aqui e que podem vir a ser parceiros comerciais das indústrias catarinenses; e nos municípios, em inaugurações, eventos ou reuniões para ouvir as demandas locais.
Atuo ainda no incentivo ao empreendedorismo em geral mas, também com um foco especial para as mulheres. Para elas também falo permanentemente sobre a importância de participar ativamente da política, mostrando que é possível sim estarmos nessa missão, que temos competência. Nunca no sentido de competir com os homens, mas mostrando que podemos completar o trabalho deles, com a sensibilidade e o ponto de vista feminino, pois a sociedade não é feita só por um grupo de pessoas mas, sim, por homens e mulheres.
E, claro, no meu dia a dia mantenho a dedicação ao que sempre fiz enquanto fui delegada: falar para as mulheres sobre os seus direitos, mostrando que não é normal um homem agredir uma mulher, que elas precisam denunciar e podem contar com as forças de segurança do Estado.
Estamos aqui para cumprir a missão de cuidar das pessoas, em trabalhar para garantir oportunidade e um futuro melhor para todos. Esse é o propósito.
A vice-governadora tem cumprido várias agendas representando o Governo do Estado no contato com lideranças estrangeiras, como a embaixadora da União Europeia no Brasil, Marian Schuegraf.
Em fevereiro, quando estava como governadora em exercício, a senhora organizou um encontro ampliado de mulheres - secretárias, adjuntas, entre outras lideranças - para definir ações "além do 8 de março". As ideias estão evoluindo bem?
Marilisa Boehm: Sim. Naquela reunião decidimos que todas as políticas de Estado que já existem voltadas para as mulheres e todas as que forem criadas serão conduzidas de modo unificado. Não adiantava ter várias ideias boas mas, que na prática, eram conduzidas sem coordenação. O governador Jorginho Mello criou um governo com mulheres em cargos de todos os escalões, escolheu colaboradoras com competência reconhecida em suas respectivas áreas de atuação. Então, era preciso aproveitar essa iniciativa para fazermos tudo o que citei acima: participar ativamente, ajudar a conduzir Santa Catarina.
Com ampla história na defesa dos direitos da mulher, a governadora em exercício anunciou investimentos de R$ 5 milhões em projetos de pesquisa e tecnologia para as catarinenses
Em dezembro deste ano, a senhora completa 60 anos. Qual mensagem daria para as mulheres que estão entrando nessa etapa da vida?
Marilisa Boehm: O importante é ter uma vida equilibrada, cuidar da saúde, aproveitar o amor que recebemos da nossa família, que é e será sempre o mais forte combustível para fazermos o que desejarmos. Reforço aquele velho clichê necessário: lugar de mulher é onde a gente quiser!
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Sobre o autor
Urbano Salles
Jornalista de Florianópolis, colunista do Imagem da Ilha.
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