Um cozinheiro com alma de poeta
André Vasconcelos vive uma nova fase à frente de uma hospedaria em Florianópolis onde oferece experiências gastronômicas exclusivas
Ele faz poesia com a culinária, na prática e também literalmente. Nosso Personagem da Semana agracia os leitores do Imagem da Ilha com sua coluna quinzenal “Sabores da Cozinha” no Guia Gastronômico. Lá, ele descreve histórias vividas em sua trajetória como cozinheiro profissional. Isso mesmo: cozinheiro. Mesmo empreendendo na área e já tendo estado à frente de muitos eventos importantes aqui na Capital e em outras cidades brasileiras, ele não se considera um chef.
Sua trajetória na gastronomia começou lá atrás, ainda criança. “Minhas primeiras memórias de infância são gastronômicas. Desde muito cedo, passava os finais de semana em um sítio no interior de São Paulo, onde se plantava de tudo um pouco, e toda colheita era uma festa”, lembra. Porém, a colheita de milho era a mais aguardada, pois era quando ele e outras crianças formavam uma roda e brincavam ralando as espigas verdes pra fazer a base da pamonha e do cural e, com o bagaço, pão e bolo de milho.
Aos 16 anos, saiu da casa dos pais para morar sozinho e, com as recordações da cozinha da mãe, começou a desenvolver suas habilidades culinárias cozinhando sua própria comida. Ele conta que, a partir daí, boa parte do que ganhava era direcionada para degustações em bons restaurantes, e para livros e revistas com receitas que serviam de inspiração para tentar reproduzir em casa.
O olhar apurado para os detalhes e o gosto pela poesia o levaram a transitar com a gastronomia pelas artes e também pela publicidade. Aos vinte e poucos anos, por exemplo, foi convidado por um antiquário para servir algumas tortas inspiradas na torta de frango que serviam no Ritz, badalado bar em São Paulo. “A vida foi me levando cada vez mais para a publicidade, e a gastronomia virou um hobby, com produções pontuais de receitas que gostava muito e vendia em datas especiais, como o bolo de frutas que chegava a fazer mais de mil unidades para compor cestas de Natal para uma socialite paulistana”, conta.
A alquimia na cozinha resulta em pratos que saltam aos olhos e aguçam o paladar, como essa iguaria com camarões, abóbora e basílico
No inicio da década de 1990, em meio ao turbilhão político que o Brasil vivia, André veio para Florianópolis “para relaxar e pensar o que fazer da vida”. Aqui na capital catarinense, ele encontrou a mulher de sua vida, a esposa Fafá, e fincou suas raízes. O lado festeiro do cozinheiro, que sempre gostou de receber os amigos para confraternizar, abriu espaço para uma nova ideia, proposta por Fafá: “que tal montar um restaurante, já que você gosta tanto desse movimento?“. Foi então que, em 1995, ele alugou uma edícula ao lado da casa de um amigo, no centrinho da Lagoa da Conceição “e, totalmente improvisado, nasceu o Bistrô Muito Além do Jardim”, lembra.
Novos desafios surgiram
André conta que, em princípio, cozinhava somente sanduiches, tortas e massas, e que precisou aprender a servir o que os clientes queriam. “aprendi a lidar com carnes, insumos mais sofisticados, receitas clássicas, sobremesas que pareciam magia. Foi o primeiro grande desafio na minha vida de cozinheiro”, afirma.
Com o sucesso do primeiro Bistrô, veio a construção do novo espaço, no Beco dos Surfistas, próximo à Praia da Joaquina. E vieram também os frutos de um trabalho de qualidade: reconhecimento dos clientes, prêmios e entrevistas. André ganhou projeção nacional em frente ao Bistrô Muito Além do Jardim. Vieram as participações em mostras de decoração em Florianópolis e em São Paulo e, com elas grandes eventos corporativos e particulares. “Durante anos a cozinha foi o centro da minha vida profissional, sempre como cozinheiro, mas sem deixar de ser um pouco marqueteiro, escritor, decorador, vendedor... enfim, um cozinheiro raiz”, destaca.
Um novo projeto surgiu
André Vasconcelos conta que empreender nunca foi uma ideia ou um objetivo, isso aconteceu naturalmente, pois era o único caminho: “entre tropeços, sucessos e fracassos, o Bistrô brilhou de várias formas até 2018, quando notei, ou melhor, notamos (ele e Fafá), que o mundo tinha mudado”. Ele destaca que, de todas as vivências durante a trajetória no Bistrô, o patrimônio mais precioso foram os amigos, as conversas de fim de noite, as tardes no jardim arquitetando eventos, o sonho de fazer coisas exclusivas e o desejo de criar momentos únicos, como as experiências gastronômicas proporcionadas aos clientes.
Um capítulo se encerrou para que outro começasse. Surgiu então o projeto de uma pousada, uma ideia que, segundo André, tinha surgido algumas vezes nas conversas com a esposa, sua melhor amiga e companheira. “Era mais um desafio para enfrentarmos e tocarmos juntos. E, com minha porção arquiteto e decorador, e alma de marceneiro, O Vilarejo foi sendo desenhado e construído, com o auxílio da alma de costureira da Fafá”, conta. Segundo ele, uma concepção totalmente sustentável.
A esposa Fafá decora a mesa oferecida aos hóspedes de O Vilarejo
A hospedaria, que seria inaugurada em 2020, teve que aguardar por conta da pandemia, mas, agora, colhe os frutos de tanta entrega e dedicação do casal. “Não é um negócio com espírito de empreendedor, é um projeto de vida que busca trazer experiências gastronômicas e de vivências, em um lugar original e em uma localização pouco provável: no meio das dunas da Joaquina”, descreve. E tem mais: “é um pequeno paraíso com um jardim permeado com frutas nativas, ervas do mundo todo e 25 anos de experiência de cozinha autoral”, continua.
Cozinheiro raiz
Ah! E para explicar sobre as diferenças entre um cozinheiro e um chef, ele conta porque se considera o primeiro: “chef é um cargo dentro de uma equipe e o cozinheiro é o cara que está na criação, na execução, que está, efetivamente, no fogão. Um chef tem por obrigação ser um cozinheiro, mas, no meu caso, a minha cozinha eu comando com alma de cozinheiro, desde a criação até a finalização. Eu não delego funções!”
Por Gabriela Morateli dos Santos
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