Defesa através da arte
Cintia Domit Bittar produz vídeo para sensibilizar sobre a importância histórica do Centro Leste da Capital
Um vídeo produzido em Florianópolis com o objetivo de informar e sensibilizar a população para a importância das características do Centro Leste da Capital tem gerado repercussão nas redes sociais. O Centro Leste teve suas obras de revitalização, que começariam nessa segunda, 03, suspensas após liminar do Ministério Público, em dezembro. “Eu fico.”, de autoria de Cintia Domit Bitar, tem chamado a atenção pela maneira sensível e envolvente de sua história, narrada por uma típica manezinha da Ilha.
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“Desde 2002 acompanho as transformações urbanas, culturais e sociais no Centro Histórico de Floripa, em especial na área do Centro Leste. Isso porque foi o ano em que saí de Caçador para morar aqui, sendo que desde então sempre morei na região e entorno”, conta Cintia. Ela é sócia da Novelo Filmes, produtora que tem sua sede na mesma localização. “Ou seja, há muito que essas ruas fazem parte do meu cotidiano”, destaca.
Em 2017, Cintia iniciou uma intensa pesquisa sobre o aterro da Baía Sul para um projeto audiovisual e conta que ficou estarrecida com tudo que se perdeu, o que a fez redobrar a atenção para o local. O aumento de estabelecimentos culturais e gastronômicos no perímetro, em especial nas ruas Victor Meirelles, Nunes Machado, Tiradentes e Av. Hercílio Luz, também a levou a frequentar assiduamente o espaço, encontrando amizades, discutindo cultura e política.
“São fatores que mantiveram meu olhar voltado para essa área da cidade há muitos anos, sendo que há quatro deles - encerrando meu mandato agora, em Dezembro de 2021 - estive no Conselho Municipal de Política Cultural, na cadeira do audiovisual, aproximando-me de temas interseccionais, como o patrimônio. Há poucos meses, quando vi o projeto ‘redesenhado’ de ‘revitalização' dessa região, defendido pela prefeitura sem passar por órgãos de extrema relevância da cultura e do patrimônio, fiquei chocada ao constatar a retirada massiva dos paralelepípedos históricos”, conta.
Cintia então fez uma postagem nas redes sociais que acabou viralizando e participou de discussões dentro do Conselho, em audiências públicas e reuniões, sempre buscando gerar um panorama do impacto no audiovisual caso tal projeto se concretizasse, mas também no impacto histórico, cultural e social. “Com minha experiência no cinema e no audiovisual em geral, resolvi contribuir também nesse formato, pois entendo que o cinema, a comunicação da arte, tem um poder de diálogo tremendo para sensibilizar e transformar”, destaca.
O vídeo
"Eu fico." foi realizado em tempo recorde. “Como me manifestei diversas vezes sobre o tema, acabei integrando um coletivo que reúne artistas, técnicos, jornalistas, entusiastas em defesa do Centro Histórico. Ali cada um ia contribuindo como podia e eu encasquetei que precisava fazer um vídeo. Logo me veio a ideia de fazer na primeira pessoa, uma narração como se fosse a própria pedra, o paralelepípedo falando. Na comunicação social aprendemos o poder do afeto e entendi que aproximar as pessoas da História através da humanização da mesma ao tornar a pedra personagem teria um efeito positivo”, relembra.
Com a câmara na mão, ela foi até a Praça XV, num domingo, fez algumas imagens das pedras e também pediu às pessoas que passavam para que colocassem as mãos nos paralelepípedos para ela gravar. “Cabe dizer que todas as pessoas abordadas ficavam muito tristes de saber da intenção de retirar as pedras”, conta. As sócias Ana Paula Mendes e Maria Augusta V. Nunes também deram um apoio nesse dia, falando com pessoas e oferecendo suporte. Cintia ressalta que a opção da "câmera lenta" se deu pela estética e também pelas limitações, pois dessa forma a imagem ficaria mais estável, sem tanto tremor, e como ela estava operando os equipamentos sozinha, isso seria importante.
No texto, Cintia buscou oferecer informações sobre as propriedades desse tipo de pavimento e também humanizar todas essas relações, colocando as palavras na primeira pessoa, na voz da pedra, da memória. “Queremos que o vídeo circule o máximo possível e que fortaleça a opinião pública sobre o projeto, que já se mostrou a favor da preservação dos paralelepípedos”, destaca.
Narração com sotaque mané
A convidada para narrar o texto escrito por Cintia foi a dona Osmarina Maria de Souza, poetisa e escritora de 92 anos. “Eu sabia que precisava ser uma mulher idosa e manezinha. A dona Osmarina tem relevância cultural e eu já a conhecia de quando fez uma participação em meu mais recente curta-metragem, o "BAILE" (2019), que aliás também teve cenas na Praça. Então, num outro domingo liguei para ela e pra minha alegria ela topou! Terminei rapidamente o texto e fomos buscá-la no mesmo dia para gravar, eu e Daniel Becker, meu companheiro e parceiro de trabalho, que fez a captação de som direto e a música do vídeo”, conta.
Três dias após a gravação com a Dona Osmarina, o vídeo foi lançado nas redes. “Estamos muito felizes com a repercussão positiva e de impacto. E, em suma, fomos três pessoas tecnicamente que trabalhamos voluntariamente na realização. Eu fiz texto/roteiro, produção, imagens, montagem e finalização. Daniel fez som direto e música original. Dona Osmarina, a narração. Além do apoio das minhas sócias na primeira saída de gravação, o grupo que participo em defesa do centro histórico auxiliou com informações e dados”, finaliza.
Sobre a suspensão das obras da Prefeitura de Florianópolis, Cintia Domit Bittar tem sua opinião: “Já temos um posicionamento muito marcante do Ministério Público de SC, que conseguiu a liminar para suspender as obras enquanto não houver ampla discussão sobre as modificações e aprovação dos órgãos pertinentes. Mas às vezes isso não basta para que as pessoas se sensibilizem, por isso a linguagem do cinema, das artes. Espero que a prefeitura se sensibilize também e já me sinto feliz e honrada por participar dessa defesa”, finaliza.
Posicionamento da Prefeitura
Em nota, a Prefeitura diz que “entende que a revitalização do Centro Leste é urgente e necessária para valorizar ainda mais o patrimônio histórico, convidando as pessoas, novamente, para ocupar o local. Há mais de uma década comerciantes clamam por melhorias. O projeto atual vai contemplar mais paralelepipedos do que tem atualmente, já que o município pretende retirar o asfalto que foi colocado há anos no entorno da Praça XV. Junto com o paralelepipedo, placas cimentícias levarão mais acessibilidade e conforto para cadeirantes, carrinhos de bebe e pedestres em geral que atualmente torcem o pé ou escorregam quando chove no piso atual. Para a Procuradoria de Florianópolis, não há qualquer impeditivo legal na obra, já que não se mexerá em nenhum patrimônio histórico. O município vai recorrer da liminar que foi dada em caratér preventivo, não ouvindo o município antes da decisão”.
Clique AQUI para assistir ao vídeo “Eu fico.”.
Da redação
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