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Movimento defende a recuperação do prédio da antiga rodoviária
Especialistas apontam a oportunidade de transformar a área em um polo cultural

Imagem da década de 1980, mostra os guichês das empresas e o movimento de passageiros e ônibus. Agora o destino da antiga rodoviária de Florianópolis gera debate entre urbanistas, gestores e moradores. (Foto: autoria desconhecida) ***CLIQUE PARA AMPLIAR

Publicado em 21/03/2025

O futuro do prédio da antiga rodoviária de Florianópolis pode ganhar novas possibilidades. Grupos da sociedade civil estão articulados em favor da recuperação e da renovação da edificação, considerada de grande valor histórico, cultural e identitário para a região, memória viva da cidade. Nesta transformação do lugar, defendem a permanência do caráter de uso público da edificação. 

O Movimento Traços Urbanos, grupo multidisciplinar que atua pela melhoria dos espaços públicos da cidade, lançou uma petição pública na última semana manifestando sua posição de contrariedade à demolição da edificação, defendendo a recuperação e a ressignificação da edificação para uso público. A regional catarinense da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (AsBEA-SC) formalizou apoio à manifestação e assina a coautoria da petição, endereçada à Prefeitura Municipal de Florianópolis, à Procuradoria-Geral de Florianópolis, à Câmara de Vereadores de Florianópolis e ao Ministério Público de Santa Catarina. Clique aqui para acessar à petição.

“A antiga rodoviária de Florianópolis está perdendo a oportunidade de se transformar em um espaço público de qualidade para a cidade. Muitas são as formas deste edifício transformar-se em local de encontro, cultura e lazer para os cidadãos florianopolitanos:  concursos de projeto de arquitetura e urbanismo, concessões público-privadas e mesmo a aplicação da atualíssima Lei do Retrofit”, afirma o arquiteto e urbanista Carlos Alberto Barbosa Souza, professor de Arquitetura e Urbanismo, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Santa Catarina (CAU-SC) e coordenador do Movimento Traços Urbanos, citando a Lei Complementar Municipal nº 763/2024.

O que diz a Prefeitura

O interesse da Prefeitura Municipal de Florianópolis é a realização de um leilão do espaço para utilização dos recursos obtidos com a venda “para investimentos em áreas como saúde, previdência e outras áreas da prefeitura”, como informado em nota. O projeto de lei para a autorização da venda do imóvel - PROJETO DE LEI N.º 19478/2025 - foi encaminhado à Câmara de Vereadores em fevereiro e tramita em regime de urgência, com prazo fixado em 19 de abril.

Transparência e uso público

O arquiteto Carlos Alberto Barbosa Souza destaca, ainda, a preocupação em relação à possibilidade de a Prefeitura leiloar a área. “A decisão da ‘venda’ de uma área nobre e pública da cidade para a iniciativa privada, sem ou quase nenhuma consulta pública e participação popular para que a população local e da cidade se manifeste, nos parece uma ação errônea e com pouca efetividade em aumento de melhores serviços para a população. Quando se discute qualidade de vida que a cidade de Florianópolis proporciona aos seus moradores, devemos levar em consideração estas áreas e edificações, que bem planejadas e requalificadas, podem contribuir com essa tão aclamada qualidade de vida!”, enfatiza Carlos Alberto. 

“A antiga rodoviária precisa ser pública”, enfatiza o arquiteto e urbanista Gustavo Pires de Andrade Neto, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento Santa Catarina (IAB-SC). Destacando que Florianópolis não possui um espaço cultural vibrante, ele acredita que este poderia ser o destino do local, atraindo pedestres para a região. “Uma referência de enorme sucesso, sem dúvida, é o SESC Pompéia, de São Paulo. O projeto da arquiteta Lina Bo Bardi ficou famoso no mundo inteiro e aproveitou o prédio de uma fábrica antiga, adaptando o uso para espaço expositivo, teatro, lugar para shows, escola de artes e tem até um café e restaurante”, exemplifica. O presidente do IAB-SC cita, ainda, a Usina do Gasômetro, em Porto Alegre, que ganhou uso  cultural e chegou a sediar a Bienal do Mercosul; a Fábrica Bhering, que traz os artistas e eventos inovadores e atuais do cenário artístico do Rio de Janeiro, além de cidades como Madri, Barcelona e Berlim, que “conquistaram uma vitalidade artística bem contemporânea e espaços de lazer para pessoas de todas as idades com muito sucesso ocupando edifícios antigos que têm muito caráter”. 

“Seria incrível que Florianópolis visse na antiga rodoviária uma oportunidade de um equipamento cultural desse estilo, algo único, aproveitando a grande vantagem de que o terreno já é público, é da prefeitura”, destaca Gustavo. Para ele, seria um lugar transformador e que criaria uma grande sinergia com todo o movimento cultural e boêmio ao longo da Avenida Hercílio Luz até o Centro Leste. “Certamente seria um futuro muito mais interessante para o centro do que ter apenas mais um edifício de apartamentos, que seria ter mais do mesmo”, pontua.

Moradora da região, a cineasta, ativista cultural e empresária Cíntia Domit Bittar diz que ficou “perplexa” quando soube que a área poderia vir a ser destinada à construção de um grande prédio, pois iria “servir de espaço para uns e outros e não para a cidade como um todo”. “Uma cidade que se diz Capital da Inovação, pegar um terreno como esse para transformar em prédio privado, ao invés de uma praça arborizada ou um local de convivência de uso público não é só triste como é algo muito estúpido de se fazer também”, considera. Cíntia vem defendendo, junto a agentes de diversos setores da economia criativa, a criação de um espaço cultural e de convivência de uso público naquele local.

“A população de Florianópolis carece de espaços culturais, de espaços com que o destino seja a fruição da cultura, o pensamento das artes. E a antiga rodoviária tem uma localização estratégica muito interessante, em uma região do centro que já vem, ao longo dos anos, sendo reconhecida pelo seu potencial gastronômico, de entretenimento, de caldeirão cultural”, argumenta, enfatizando a proximidade do local com o Maciço do Morro da Cruz, o que potencializa a oportunidade de criação de um espaço de convivência para uso de toda a comunidade.  E ressalta: “esse é um espaço que deveria estar sendo pensado junto com o Conselho Municipal de Política Cultural, junto com as entidades do setor, com a sociedade”.

Cultura, gastronomia e convivência

A antiga rodoviária de Florianópolis, na confluência das avenidas Mauro Ramos e Hercílio Luz, foi construída nos anos 1950, inicialmente para ser um Mercado Público, mas logo teve seu uso principal alterado. Funcionou como o principal terminal rodoviário da cidade por várias décadas, até a inauguração do Terminal Rodoviário Rita Maria, em 1981. Com o passar dos anos, foi sendo ocupada irregularmente por comerciantes. No início deste ano, a Prefeitura Municipal promoveu a desocupação definitiva da edificação.

“A avenida Hercílio Luz, depois de ter o ‘riacho’ coberto, no início dos anos 2000, vem se consolidando como importante espaço de comércio vicinal de pequeno porte, encontros, lazer, trocas sociais e culturais em área amplamente arborizada. Essa vocação deveria ser reforçada, até o encontro com a Av. Mauro Ramos, onde, a edificação conhecida como a Antiga Rodoviária, devidamente restaurada e reciclada, tendo seus usos adequados às necessidades da população do seu entorno, ganharia um protagonismo para atendimento às demandas sociais, comerciais e urbanas”, sugere a arquiteta e urbanista Lilian Mendonça, especialista em Gestão do Patrimônio Cultural Integrado ao Planejamento Urbano, membro do Traços Urbanos. A arquiteta acrescenta que o pátio interno da edificação, atualmente recoberto, por exemplo, poderia ser reaberto e abrigar uma praça, com uma área verde, de estar e permanência, como extensão do espaço urbano.

“Que legal seria termos, nesse espaço, uma sala de projeção de filmes, mesmo que pequena, um espaço gastronômico e algumas salas para oficinas culturais para que os grupos possam se reunir e dar aulas para a comunidade de toda a cidade”, reflete a cineasta Cíntia, sócia da Novelo Filmes, lembrando a época dos cinemas de rua no centro da cidade. Entre eles estão o Cine Theatro Variedades no Theatro Álvaro de Carvalho, o Cine Art 7, na rua Almirante Alvin, o Cine Avenida, na avenida Mauro Ramos, o Cine Imperial, na rua João Pinto, e o Cine Palace, na Tenente Silveira.

Memória e identidade

A demolição do prédio da antiga rodoviária, para Cíntia, seria um erro muito grande. “A preservação da nossa memória é a salvaguarda da nossa identidade.  Espero que o prédio da antiga rodoviária permaneça em pé, preservado, e que sua vocação de ser usado pela sociedade retorne e, dessa vez, voltado à produção e fruição cultural das artes e também gastronômica”, afirma. O investimento na área cultural, acrescenta, contribuiria para o aquecimento da economia local e potencializaria o turismo.

A demolição “pura e simples” desse “patrimônio cultural” consolidado e que identifica esse espaço urbano, para a arquiteta Lilian Mendonça, certamente iria empobrecer, em muito, aquele locus da cidade. “A reconhecida paisagem cultural urbana daquela área não pode prescindir da volumetria e tipologia que a identifica, que certamente admite uma nova leitura e um projeto criativo e instigante que a valorize e, ao mesmo tempo, promova uma renovação e reintegração dessa ‘edificação-quadra’ na paisagem urbana consolidada”, complementa Lilian.

Texto pela jornalista Letícia Wilson

 

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