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Elegia ao elogio, por André Vasconcelos
Sem liberdade de criticar, não existe elogio sincero

E o colunista comenta: 'À Paul Bocuse meu eterno elogio'. (foto:Internet) ***CLIQUE PARA. AMPLIAR.

Publicado em 18/01/2024

Muitas vezes de um mero bate-papo descomprometido, surgem idéias sem sentido que, depois de muito pensar, fazem todo o sentido!

Foi assim com o elogiometro!!!

Elogiometro foi uma dessas idéias sem sentido lançada por um amigo: um aparelho que mediria a quantidade e o valor dos elogios que recebemos e os transformaria em capital para podermos continuar a viver só de elogios.

Além de elogio não custear negócio algum, em gastronomia o elogio pode ser trágico, pois o chef-criador pode continuar criando receitas-criaturas abomináveis fiado nos elogios que recebe, certo que receberá também estrelas no Michelin!

Quantos, e quantas vezes, cozinheiros não recebem “elogios” pelos desastres culinários que servem sabendo, ou não, que é um desastre?

Anthony Bourdain, um grande chef que nos deixou talvez por não suportar falta de elogios, fala muito disso no seu genial “Cozinha Confidencial”, uma leitura obrigatória pra quem gosta de gastronomia.

Elogio se apresenta muito mais simpático que a crítica, mas é infinitamente menos construtivo que ela, pois ele, o elogio, nos infla o ego, enquanto ela, a crítica, nos alerta a consciência.

Elogio sem razão, ou por pura bajulação, prejudica a evolução de qualquer profissional, pois aprender com os erros é fato e não mero ditado.

Dias desses estava em uma festa, como convidado, situação que me deixa tenso, pois com minhas panelas sei me defender melhor dos, muitas vezes, falsos elogios.

Todos na reunião foram só elogios à minha cozinha, mas estranhamente, a grande parte dos “elogiantes” nunca estiveram em uma mesa que servi.

Fato estranho, porém normal em várias situações e profissões.

"Podemos nos defender de um ataque, mas somos indefesos a um elogio.”( Sigmund Freud )

 Existem casos também em que elogiar é obrigatório, pois se não o fizer é visto como falta de informação ou de cultura... teoricamente!

Não elogiar pratos onde a trufa branca de Alba se faz presente é praticamente uma heresia, uma falta de paladar, um pecado gastronômico!!

Falar que deve estar vazando gás do fogão então é motivo de muito riso enquanto elogiar o aroma das trufas frescas é motivo de elogios ao conhecimento culinário!

Elogiar o cheiro da trufa é também elogiar o cheiro do gás de cozinha, pois a base química do cheiro de trufas brancas, tão elogiado e aclamado por gourmets e gourmants, é a mesma do gás de cozinha: o “tiol”, uma molécula semelhante aos alcoóis que tem um átomo de oxigênio substituído por um de enxofre, que lhe confere aroma peculiar de trufas brancas e de gás de cozinha.

Isto acontece porque o butano, vulgo gás de cozinha, é inodoro e é “perfumado” com mercaptano, um “tiol”, para dar esse aroma e alertar que existe gás butano no ar, porque se assim não fosse, muitos de nós estariam mortos por simplesmente termos esquecido uma boca do fogão aberta.

Vamos então elogiar o vazamento de gás e não pratos mal elaborados coroados por esse fungo subterrâneo nobre!

Elogios aos que valorizam a autocrítica e críticas aos que promovem o autoelogio, que, para mim, é a pior forma de elogio.

"O mal de quase todos nós é que preferimos ser arruinados pelo elogio a ser salvos pela crítica. ( Norman Vincent ) 

Elegia, palavra usada no título deste texto, por definição é um poema triste, de luto.

Usei elegia por achar que o elogio usado inconseqüentemente também é lutuoso, pelo menos na visão deste cozinheiro, que pouco aprendeu com elogios rasgados, mas procura evoluir com cada crítica sincera.

 

Na próxima semana vou trazer mais uma crônica neste contexto, elogios e/ou críticas, agora na área enogastronômica? Até lá!

 

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Sobre o autor

André Vasconcelos

Cozinheiro raiz e autodidata, hoje no comando de sua Cozinha Singular Eventos e d'O Vilarejo Hospedaria e Gastronomia, onde insumos e técnicas são a base de cardápios originais e exclusivos... e aprendiz de escritor também!


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