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Por onde anda a Rita Lee?

Rita Lee (Imagem: Internet/ Reprodução) **Clique para ampliar

Publicado em 22/06/2023

“... magrinha, arrepiada, com pelos vermelhos e olhos de fome!

Eu não podia mesmo te dar outro nome, Rita Lee!”

Assim, a compositora Joyce escolheu o nome de sua gata e contou sua estória em uma linda canção!

Rita Lee, a gata de Joyce, foge e “...a noite engoliu suas sete vidas, Rita Lee!”

... e a doença engoliu as sete vidas da nossa Rita Lee.

Talvez ela não tivesse mais sete vidas, pois consumiu algumas na vida louca e intensa que levou, mas, a definitiva vida, a doença levou!

E noite dessas, eu sonhei com a Rita Lee!

Talvez Rita Lee não tenha nada a ver com gastronomia, mas tem a ver comigo, e minha vida é permeada por música e gastronomia.

No sonho, Rita estava como na foto colorida da sua última biografia, mas com a fala jovial das suas entrevistas com a Marilia Gabriela.

No sonho, estava sentada em uma mesa de um bar da Joaquina, mas a mesa era a da minha sala, porque nem em sonho me permitiria estar numa mesa de plástico!

Entre gargalhadas e camarões fritos, a personagem Rita do meu sonho ficava mais jovem e mais semelhante à Rita Lee que vez por outra encontrava pelas ruas de Sampa, a sua mais completa tradução!

Sim, apesar de uma megalópole, São Paulo é uma cidade de pequenas tribos, e a minha tribo era a tribo que Rita frequentava.

No meu sonho, ela tomava cerveja, e eu vinho em taça e, nos papos, falávamos muito dos amigos em comum, das danceterias, dos porres nos botecos da madrugada de um São Paulo que não existe mais, e dos pratos típicos das loucas noites da Pauliceia dos anos 1980.

As noites dançantes na pista do Rose Bom Bom, com Serginho no comando das pick ups, ou até mesmo o Alex Atala (sim, Alex era um dos djs), terminavam invariavelmente com o cachorro quente do Zé, na porta da boite, que tinha sabor de “bom dia” e de “volte para realidade”!

Aliás, o cachorro-quente era quase uma unanimidade no final de noite paulistana, quando não no Rose, era na Cidade Universitária, que além da salsicha vulgar, tinha o vinagrete, molho campanha para os mais nobres, e um purê de batatas que fechava o sanduiche como uma laje...

Era um escondidinho de salsicha no pão de hot dog!

E o Dogão na saída da Danceteria Toco era outro que representa muito bem a baixa gastronomia de rua dos anos 1980 em finais de matinês no Tatuapé!

Voltando às madrugadas, no Long Champ muitas vezes esbarrei com a Rita e a parte mais louca da sua banda... um ponto de encontro de começos e fins de noite!

Até hoje, quando penso em lasanha, me vem a imagem daquela travessa individual servida no balcão do restaurante na Rua Augusta, onde as pessoas desciam realmente a 120 por hora, entre meninas da vida e travestis...

Lasanha a bolognesa que nem na Bologna existe, mas o sabor era de outro mundo, ainda mais depois de cinco ou seis horas em uma pista de dança.

As folhas de massa intercaladas com molho branco, carne moída e molho de tomate feito na casa de alguma maneira que não me atrevo a pensar, saiam daquela porta vai-e-vem às centenas, borbulhantes e perfumadas!

No Baixo Augusta, mais para o centro, o Spazio Pirandello era onde acontecia “esquenta” para a noite no Madame Satã, este um encontro certo com Rita.

O Pirandello, para mim, era mais que um lugar que gostava de frequentar, é inspiração e referência na minha vida!

Um dos sócios, Antônio Maschio, era ator e cozinheiro apaixonado!

A decoração era uma mistura de objetos velhos, antiguidades e utensílios originais!

Os pratos levavam nomes de artistas e estrelas do cinema!

Qualquer semelhança com meu primeiro Bistrô, não é mera coincidência!

Vivian Leigh era uma mousse de alface, Marilyn Monroe uma deliciosa salada com a novidade da época: alface americana - lembrando que o Mc Donald’s trouxe essa novidade para o Brasil só em 1979, com produtores exclusivos para a rede de duas lojas, uma em Sampa e outra no Rio.

Já Rodolfo Valentino era uma maçã assada com gorgonzola!

Se fosse hoje, certamente Maschio teria um prato com o nome de Rita Lee, algo inusitado, “ardido como pimenta”!

O final de noite tinha outro clássico em dois endereços distintos: a sopa de cebola!

A mais saborosa era servida no restaurante do Ceasa, em meio a caminhoneiros e vendedores de hortaliças, e a versão do Well’s, uma lanchonete tipicamente americana, era mais ‘gourmetizada”, com crótons, outra novidade!

Aquela sopa era capaz de levantar defuntos de todos os tipos e deixá-los inteiros para começar uma nova “festa” ou enfrentar um dia de trabalho revigorado!

A inspiração certamente foi a popular sopa de cebola francesa.

Já um clássico americano também fazia parte dos cardápios das noites paulistanas: a torta de frango com fresh salad do Ritz na Alameda Franca.

Um bar fundado por um casal que, em 1980, acabara de chegar de uma temporada em Londres e apresentou um atendimento despojado, vinho em taça, e fez desse lugar, com porta giratória na entrada, um marco na cultura e na tolerância de gêneros, além de uma cozinha original.

Nas mesas, gente famosa, esquisita e autêntica tendo no serviço um staff que mais parecia um catálogo de agência de modelos e, entre os pratos, os vegetarianos seriam os preferidos de Rita!

Esse sonho que tive com Rita Lee é uma mistura de saudades com admiração!

E talvez só quem viveu Rita em sua plenitude paulistana consiga ter esse sentimento... Santa Rita de Sampa se foi, mas seu legado marcou uma geração e está encravado na história da música, do rock e do Brasil.

E se Rita não fosse de Sampa e, sim, de Floripa, fico imaginando quais seriam seus lugares...

Nos anos 1990, certamente o Oficina das Artes seria a sua mais completa tradução.

Hoje, acho que o Franz Cabaret seria seu point...

Enfim, tudo elocubrações de um fã apaixonado e saudoso.

Vá em paz... e fica aqui neste recorte, minha homenagem!

“Tem lugares que me lembram
Minha vida, por onde andei
As histórias, os caminhos
O destino que eu mudei
...

Personagens do meu livro de memórias
Que um dia rasguei do meu cartaz
...

Desenhos que a vida vai fazendo
Desbotam alguns, uns ficam iguais!”


E entre todos os corações que gostaria de tatuar, o seu seria um dos mais meu!

 

 

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Sobre o autor

André Vasconcelos

Cozinheiro raiz e autodidata, hoje no comando de sua Cozinha Singular Eventos e d'O Vilarejo Hospedaria e Gastronomia, onde insumos e técnicas são a base de cardápios originais e exclusivos... e aprendiz de escritor também!


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