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Celebridades culinárias


Publicado em 30/03/2017

Em busca de audiência, emissoras abertas e por assinatura não se cansam de buscar fórmulas para faturar mais com as pessoas que também estão em busca de audiência. E a audiência para as pessoas comuns é traduzida como fama. Enquanto em outros tempos jovens sonhavam em uma carreira brilhante como médicos, advogados, empresários ou algo que abrisse seus caminhos, hoje a fama é o que faz brilhar seus olhos e atiçar suas mentes. Celebridade passou a ser profissão!

E entre tantos tipos de celebridades, vou me ater às ‘instantâneas’, que emergem de vestidos pink curtíssimos nos corredores de faculdades de acesso fácil, ou brotam atrás de uma gravidez de jogador de futebol celebridade-sem-beleza-nem-moral, despontam de um flerte contratado por algum celebridade-que-não-quer-sair-do-armário, e até “pilotam” fogões com dólmãs e aventais que incomodam os olhos de tão alvos! Topa tudo não só por dinheiro, mas principalmente por uma vida de celebridade!

Segundo profecia de Andy Warhol, um grande artista e “pensador” americano, todos terão quinze minutos de fama. O que ele não previu é que esses quinze minutos podiam se alongar indefinidamente, transformando desconhecidos em celebridades, depois em subcelebridades e, por fim, em ex-celebridades que serão lembrados pela mídia em programas que, dizem, vale a pena ver de novo. E a internet fez desse processo de criação de celebridades mais fácil, rápido e efêmero. E como tudo, diz o ditado popular, acaba na cozinha, a cozinha virou alvo fácil para quem julga saber cozinhar e sonha se tornar celebridade. São os chefs-celebridades que emergem de cook-realitys- shows. Programas para isso é que não faltam, em todos os horários e formatos.

Não que esses BBBs culinários não sejam divertidos – são e muito –, mas são também nada instrutivos e criam uma falsa imagem da arte culinária e da vida em uma cozinha. Existem exceções, mas vou me ater aos mais usuais. Muito se fala e pouco se faz, até porque só temos acesso à imagem e nunca ao sabor, que só de imaginar me causa calafrios. Nada mais desagradável que uma comida desequilibrada ou mal feita. Em um desses programas, os participantes recebem outros participantes fazendo um jantar completo onde tudo conta ponto, desde a decoração até a atração do jantar! Decoração? Atração?

Ao meu ver, a grande atração de qualquer jantar é o jantar, gastronomicamente falando! Tem os que parecem uma versão culinária do decrépito BBB, onde as intrigas são mais relevantes que a comida: todos cozinham, em grupo ou individualmente, focados no próprio umbigo, sem dar muita importância às diretrizes dos apresentadores para a realização das provas. O chef apresenta o produto: “Hoje o produto, a estrela do prato, é a batata! ”. O projeto de chef-aspirante-à-celebridade cozinha a batata com sal, bate no processador e serve ao lado de um foie gras marinado com vinho sauternes e cogumelos giroles aromatizados com ervas frescas da Antuérpia...

Quando os apresentadores e chefs-algozes criticam o prato, os chefs-aspirantes “rosnam”, pois julgam que seu prato estava perfeito e o chef não soube julgar. E depois de algumas aparições na televisão, esses cozinheiros-celebridades voltam para a sociedade formal para montar um restaurante, escrever livros sobre culinária, e, principalmente, “se jogar” no ramo de eventos. Apresentam projetos de jantares espetaculares, o que raramente entregam! Mas isso não importa, o que vale para quem contrata esses “profissionais” é ter uma celebridade comandando o seu fogão Viking que lhe custou “os olhos da cara” e, até aquela ocasião, nunca foi usado. E o que me deixa mais triste é que há quem enalteça esses supostos chefs-subcelebridades frequentando seus restaurantes, lendo seus livros e abrindo a porta de suas casas para os eventos exclusivos por eles planejados, para talvez serem notados e considerados celebridades por conviverem com um chef-celebridade.

Enquanto isso, grandes cozinheiros fecham seus restaurantes por não terem o carisma que tem um chef-celebridade, não ter o apoio da mídia e só contar com o reconhecimento dos “bons garfos” que muitas vezes não chegam a ocupar metade do seu salão. E para pôr um ponto final neste assunto, mais uma vez me aposso de uma frase de Andy Warhol, que tão bem entendeu os seus pares: “A frivolidade é o último reduto daqueles que contam com o duvidoso dom da lucidez”.