Theatro da Paz, Andrea Bocelli e a refração, por Luzia Almeida
Participar de um evento musical não pode ser assim... Tem que haver preparação durante todo o dia e as expectativas precisam se avolumar como uma onda de um grande mar que se rebela em direção à praia. Participar de um evento musical tem que ser numa noite de lua e tem que ser hoje, amanhã, todos os dias, mas ninguém aguentaria tanta emoção. A onda, por maior e rebelde que seja há que se espraiar e se transformar em espuma. A espuma é o que levamos no coração e a saudade da onda passa a ser uma promessa. Uma promessa de reencontro.
O Theatro da Paz e a onda que se formou era uma surpresa e, embora surpresa, era também notícia de uma vida feita de voz: a vida de Andrea Bocelli que os tenores Paulo Paolilo, Murilo Trajano e Henrique Moretsohon celebraram: a vida numa dinâmica de mar. E a emoção de cada música parecia uma dormência de amor. Coisas que sentimos e não sabemos explicar porque as palavras muitas vezes não podem traduzir sentimentos inéditos. As palavras já estão nos dicionários e precisam de treino para comunicar o inédito. Então, apenas sentimos...
O Amazing Tenors In Concert celebrou a vida numa dinâmica de mar: cavou uma emoção que eu desconhecia. Sentidos a postos e a música era concreto (no sentido de massa) com gosto e imagem. Os sons — por eles mesmos não fariam sentido —, mas os sons chegaram ao limite de uma hipérbole musical e eu estava lá... e não suspeitava de tanta beleza, não esperava tanta vida, e não supunha tamanha saudade. E eu, que estava aplaudindo me tornei também onda nessa mistura de música e massa receptora. Como uma refração inspirada não em luz, mas em som. Eu era um meio diferente e o som incidia sobre mim e perdia-se e não encontrava saída embora houvesse uma perpendicular harmoniosa. Ah!... os sentidos humanos!... Quem disse que são apenas cinco?
A música “Com te partirò” causou-me aflição: não no sentido da perda, ou do medo, ou da angústia... uma aflição no sentido da hipnose por conta de uma partida sem passagens aéreas, porque no espaço já estava e de cima eu via e ouvia: “Quando sono solo / Sogno no all’orizzonte / E mancan le parole / Si, lo so che non c’è luce / In uma stanza quando manca il sole / Se non ci sei tu con me, con me”***. As palavras que não foram ditas resgatam alguma tradição antiga sobre pensamentos que se perderam na estação por conta de algum trem malvado. Todos nós nascemos com partidas e com amores desfeitos e somente a música pode nos consolar dessa aflição.
Amanheceu, e eu continuo concentrada como se não houvesse noite e como se a ideia de viver na plateia aplaudindo fosse um evento na agenda dos sentidos. Essa agenda estava aberta e, talvez, quem sabe... até eu poderia ter cancelado esse compromisso. Poderia eu cometer tamanha ousadia? Pensar assim me dar arrepios. Continuo encantada com a força da música que os tenores e os músicos trouxeram. Encantada de descobrir que a música não é apenas o que dizem e o que escrevem. A música tem muito a ver com a história e com a geografia. Mas também tem a ver com a política e com a civilização: de repente o Theatro da Paz se transformou na embaixada da Itália... e o que era espaço se tornou abrigo e a lua não estava inteira, mas nem precisava.
No céu, a lua de tudo suspeitava, embora fosse apenas um traço de luz.
***Quando estou sozinho / Sonho com o horizonte / E faltam palavras / Sim, eu sei que não há luz / Num quarto quando falta o sol / Se você não está aí comigo, comigo
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Sobre o autor
Luzia Almeida
Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação
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