Ter/ ser sua própria companhia: dói?
Se checarmos no dicionário, solidão é o estado de quem se acha ou se sente desacompanhado ou só; isolamento.
"Vive na mais profunda solidão".
Se continuarmos nos significados, a solitude é um termo poético que se refere à solidão, ou seja, ao estado de privacidade. Pode representar o isolamento e a reclusão, voluntários ou impostos, porém, não diretamente associados ao sofrimento. Em inglês, é feita uma distinção entre os termos: solitude = alegria de estar sozinho e solidão = à dor de estar sozinho.
Começamos pela solitude. Estar em sua companhia e gostar dela.
Viajei recentemente sozinha (sozinha, sem encontrar nenhum conhecido no caminho, em nenhum momento) para fazer uma mini residência em Odontogeriatria.
Sim, 100% sozinha. Se você acreditar em Deus, dirá que estava com ele, e não sozinha.
Pois bem, digamos então que fisicamente eu estava sozinha.
Ficamos mais observadoras, mais cuidadosas e também mais desligadas. Mais atentas ao entorno e também mais dispersas. Aprendemos a tirar selfies para registrar em fotos, mas também passamos a acreditar em desconhecidos para pedir uma ou outra foto (temendo que levem o celular num furto, e torcendo para isso não ocorrer).
O que mais eu observei?
Na diversidade das pessoas. Nos gestos das mesmas, na fragilidade do ser humano.
Vi uma moça no aeroporto ter seu alfajor interceptado e (ela também na sequência) por detectarem alguma substância ilegalmente ali dentro. Policiais surgiram e a vida dela, em um instante, tudo em sua vida deve ter mudado.
Vi um judeu ortodoxo ajeitando a peruca de sua esposa após passar pela inspeção do aeroporto, sua criança de colo desajeitou sua peruca e seu marido a ajeitou (sim, há mulheres casadas com ortodoxos que raspam suas cabeças e usam perucas sobre elas).
Vi um casal de velhinhos (tipo 90 anos cada) totalmente perdidos no embarque, sem entender inglês. Nem preciso dizer que ajudei. Qualquer um ajudaria.
E eles não estavam tristes por estarem perdidos, estavam muito, muito animados com a primeira viagem sozinhos. Isso o que você leu, a primeira.
Eu sou (deve ser genético porque minha mãe também é) para-raio de gente que gosta de conversar. Uma senhora de 65 anos me contou na fila do embarque (no Brasil), que morava nos EUA, que se mudou há 5 anos. Que viu todos os filhos casados e que foi para lá tentar a vida. Isso que você leu, tentar a vida.
Era eloquente, gaúcha (lamentava a tragédia que assolou Porto Alegre, de onde voltava e que quase não viu ninguém dos parentes - além de ter dormido em abrigos), animada, contando sobre seu namorado porto-riquenho que a esperava lá, em New Jersey.
Talvez fiquemos mais disponíveis quando estamos sozinhos, e aí haja uma atração com quem queira conversar. Talvez a consequência seja atrair mais “sozinhos” a conversarem com outros “sozinhos”.
Talvez só estejamos mais vulneráveis, e demonstrando isso, mais gente que sinta e vá se aproximando ... Será?
Ao meu lado no voo, um carioca animado, indo ao encontro anual de um banco internacional de investimentos. E também para uma cerimônia de personalidade do ano. Contou em detalhes sua roupa, seu itinerário. Mesmo sem muito interesse nessa conversa - devo confessar que não interessei muito não - ouvi, fui educada e comecei a ler o livro que tinha levado. Nem todos os papos fluem. Paciência.
Nos Estados Unidos, fui ao restaurante sozinha. Fui em um rooftop sozinha (e pasmem: pedi uma taça de vinho e li um livro!). Frequentei um curso sozinha. Jantei com colegas e professores do curso e voltei sozinha andando para meu hotel. Fiz passeios e longos quilômetros sozinha. Machuquei meu pé de tanto andar e entrei numa loja para comprar um tênis melhor.
Encontrei uma moça bonita com calos nos pés pedindo opinião de qual tênis comprar. Também sozinha. Talvez a opinião de alguém sozinha como eu tivesse o mesmo peso. Ou não. Sei que dei opinião e ela seguiu. Fez a compra.
Em uma época em que bailes de 3ª idade, encontros em clubes e grupos religiosos diminuíram, as interações sociais ocorrem mais online do que pessoalmente. Alguns jovens estão relatando níveis de solidão, assim como a 3ª idade sente.
Sim, a Solidão tende a ser percebida com mais intensidade em jovens e em idosos: ou seja, começa na juventude, a solidão tende a diminuir à medida que as pessoas se aproximam da meia-idade e, segundo pesquisas, aumentaria novamente após os 60 anos, tornando-se especialmente pronunciada por volta dos 80 anos. Ou seja, é um problema no início. E no final da vida.
Por que problema? Quando a solidão não é verificada, pode ser perigosa para nossa saúde física e mental, e tem sido ligada a problemas como doenças cardíacas, demência e ideação suicida.
Ah, Amanda, mas como vou conhecer gente? É difícil mesmo. Gente com qualidade e variedade, mais difícil ainda. Eu sei. Quem sabe a alternativa seja mostrar sua vulnerabilidade: procurar grupos físicos, colocar sua vontade quando a oportunidade surgir.
Eu, por exemplo, criei um grupo de WhatsApp para quem tem mais de 60 anos em Floripa. Ainda não promovi encontro físico, mas ele vai acontecer. E o paciente que comenta sobre solidão, por exemplo, eu falo do grupo. Tenho planos para ele.
Assim como uma variedade de alimentos são necessários em uma dieta alimentar, uma variedade de amizades também é necessária para uma vida com conexão.
Claro que a solidão assola. Devasta. Prejudica. Machuca. Quem sente sabe. Não precisa explicar. Por isso, vamos mudar esse cenário?
Quanto a mim?
Claro que nessa viagem sozinha, senti saudades. Dos meus meninos em casa. Senti falta de casa, do trabalho, da rotina, das pessoas.
Mas foi uma saudade boa. Curtir a própria companhia é um exercício de solitude.
Se nós não gostarmos da nossa própria companhia, quem irá gostar? E se gostarmos da nossa própria companhia, e se estiver sem amigos, talvez possamos buscar novas companhias, fazer novos elos e conexões. Ativar antigos amigos, conectar-se com pessoas novas e diferentes numa expectativa de novas amizades serem reveladas.
Não, nunca é tarde. Para nada.
Nunca será tarde para eliminar a solidão. Ou, pelo menos, tentar transformá-la em solitude.
Conte comigo.
Por Christina Caron (The New York Times)
Da redação
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