Sentimentos de amor e medo, por Denise Evangelista Vieira
As forças que organizam e sustentam nossas relações e sobrevivência
A vida bloqueada instiga o teimoso viajante a abrir nova estrada. (Helena Kolody)
Somos constituídos no contato com o meio. Esse meio que é histórico, político, cultural, ecológico e, também, social e afetivo. A partir dessas intersecções, cada ser humano estabelece fronteiras de contato mais ou menos porosas, mais ou menos flexíveis, que moldam a sua sensibilidade e a sua percepção do mundo. Suas experiências e os significados que delas resultam se tornarão as lentes e o modo como cada um vai ver, sentir, se expressar e se mover.
Somos, desde que nos conhecemos como espécie, seres sociais; vivemos e sobrevivemos em grupos. E os sentimentos de amor e de medo aparecem como forças organizadoras e centrais nas micro e macro comunidades. Há controvérsias se esses sentimentos são naturais ou adquiridos a partir das relações que estabelecemos com o meio. De uma forma ou de outra, por não estarmos separados do meio, por nossa condição de sermos dele dependentes, desde a nossa concepção, pelo menos, são essas as duas principais forças que se entrelaçam e nos constituem. Outros sentimentos são derivações. As sensações de prazer, desprazer e dor são desencadeadoras destes sentimentos. Para a nossa sobrevivência saudável como indivíduos e como espécie, o amor aparece como base. O amor está ligado à vitalidade, à alegria, à sensação de pertencimento, à segurança, à aceitação, ao acolhimento. Já o medo, o outro fio do mesmo tecido, na luta pela sobrevivência, faz com que evitemos a dor e outras sensações desagradáveis sempre que nos sentimos ameaçados. Quando o medo aparece, fugimos, atacamos ou ficamos paralisados. A intensidade, a duração e as formas de enfrentamento poderão determinar como esses sentimentos serão processados no nosso psiquismo.
As psicoterapias têm sido reconhecidas, cada vez mais, como um importante instrumento para o tratamento de conflitos, dores psíquicas e de sintomas comuns na nossa contemporaneidade. Se o mundo está em crise, nós que somos parte dele, constituídos por ele, também estamos. Mas é verdade também que diferentes fatores adiam a nossa procura por tratamento psicológico. Vou tentar me ater aqui às dificuldades de ordem psíquica.
Na contramão da segurança, do acolhimento, da confirmação e de limites saudáveis, alguns processos educacionais e relações disfuncionais têm provocado muito sofrimento psíquico. E o sofrimento psíquico não tratado tende a se perpetuar para o próprio indivíduo e nas suas relações. Mecanismos de defesa, tais como racionalização e projeção, são muito comuns e representam a dificuldade que temos em entrar em contato com as nossas camadas mais profundas. Muito rapidamente, a racionalização é o pensamento que desenvolvemos para dar um sentido às coisas, sem, entretanto, ser integrado ao que verdadeiramente sentimos. Já a projeção faz com que projetemos sobre outros indivíduos aquilo que não conseguimos acessar em nós mesmos. Dessa forma, continuamos a caminhada sem conhecermos genuinamente a nós mesmos.
Não procuramos ajuda, outras vezes, porque temos dificuldade em confiar; dificuldade esta que também foi aprendida. Infelizmente, as pessoas que deveriam nos proteger foram, por exemplo, nossos agressores, ou sofremos traições de outros tipos, por pares, colegas ou pessoas da família. Outro fator é que temos uma sociedade muito julgadora e temos medo de reviver isso ao nos expormos. Também adia a nossa ida ao psicólogo o fato de não termos aprendido a dialogar com nossos sentimentos. Não há experiência assimilada neste sentido, porque nossos sentimentos foram continuamente negligenciados e isso se tornou um padrão; passamos a nos negligenciar, porque acabamos nos tratando como fomos tratados.
Então, tendemos a não reconhecer o que sentimos e buscamos compensações ou distrações até onde for possível. É preciso, como profissionais da saúde, demonstrar que o ambiente terapêutico é um ambiente de acolhimento, de escuta, de atenção, de não julgamento, de sigilo; um ambiente facilitador no processo de autoconhecimento e de enfrentamento amoroso das nossas dores psíquicas. O psicoterapeuta exercita a escuta empática na tentativa de compreender seu paciente, colocando-se o mais próximo possível da sua perspectiva. Assim também é aquele que acompanha atenta e cuidadosamente os passos que cada um quer dar, dentro das suas possibilidades. O psicoterapeuta é aquele que vai nos ajudar a compreender por que repetimos alguns padrões de comportamento que não contribuem para a nossa satisfação.
É nesse ambiente que o paciente se sentirá seguro e será capaz de desenvolver um suporte necessário para entrar em contato com sentimentos, às vezes contraditórios, para que, aos poucos, não necessite mais usar da projeção, da racionalização, de distrações compulsivas ou outras compensações que, ao final, não resultariam num maior bem-estar e felicidade duradoura. A psicoterapia pode representar esse instrumento, para o viajante teimoso abrir nova estrada.
Texto por Denise Evangelista Vieira
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Sobre o autor
Denise Evangelista Vieira
Psicóloga formada pela UFSC e em Artes Cênicas pela Udesc. Escreve sobre o universo humano. Quem somos e em quem podemos nos tornar? CRP 12/05019.
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