“Venha ver o pôr do sol” e a saudade do príncipe, por Luzia Almeida
A realidade retratada na literatura frequentemente espelha os horrores da vida real
“— Ricardo, chega, já disse! Chega! Abre imediatamente, imediatamente! — Sacudiu a portinhola com mais força ainda, agarrou-se a ela, dependurando-se por entre as grades. Ficou ofegante, os olhos cheios de lágrimas”. É assim que o personagem Ricardo (do conto “Venha ver o pôr do sol”, de Lygia Fagundes Telles) deixa Raquel (a ex-namorada) presa na catacumba de um cemitério abandonado. Ele tinha arquitetado tudo nos mínimos detalhes e teve êxito no seu plano porque ela aceitou encontrar-se com ele. Ela nem desconfiava de que por trás de toda aquela conversa havia uma armadilha e reclama ao encontrar-se com ele: “— Ver o pôr do sol? Ah, meu Deus... Fabuloso, fabuloso! Me implora um último encontro, me atormenta dias seguidos, me faz vir de longe para esta buraqueira, só mais uma vez, só mais uma! E para quê? Para ver o pôr do sol num cemitério”. Pobre Raquel!... Ela reclama, mas cede à vontade do perverso Ricardo. Infelizmente este quadro horrível não é exclusivo da literatura, este quadro está estampado em muitas casas brasileiras que passaram a ser verdadeiros cemitérios e, embora a perspectiva da morte, ainda não avançamos na detença deste mal. Como defender as mulheres dos homens violentos? Esta pergunta não estanca a sangria. Vou tentar de novo: como evitar que um menino se transforme num homem violento? Essa sim é uma pergunta pertinente porque se eliminarmos as causas, não sofreremos as consequências e a velhice de muitas mulheres, de milhões de mulheres, poderá ser uma realidade natural.
Ninguém nasce violento assim como ninguém nasce falando. Aprende-se a falar e aprende-se a ser violento. Mas, como!? Com os modelos apresentados nos mais variados tipos de entretenimento que são verdadeiras metodologias do crime. Com os jogos, brinca-se de matar, brinca-se muito de matar, brinca-se a cada dia e o conceito de morte vai morrendo ou diluindo-se até virar piada. Quando matar alguém, ou ver alguém matando é um tipo de diversão, tem-me em vista o aumento das estatísticas de feminicídio. O que fazer? Como fazer? Qual é a proposta de intervenção para que haja conclusão nesta terrível série?... onde a morte faz parte de uma diversão diária.
Esta semana as mídias ferveram com o caso da delegada que apanhava do marido, mas se uma empregada doméstica sofre violência do companheiro que é pedreiro, não há audiência no Fantástico... mas não se trata de profissão. A doméstica é tão mulher quanto a delegada, mas parece que o espanto ganha todas as mídias e há um “Oh” por conta da profissão dela... tudo errado! Tudo errado! Se a sociedade está olhando para a profissão da mulher para vê-la como vítima, então pode-se dar o caso como perdido, porque perdeu-se a essência de uma luta de gênero e não de profissão: médicas, advogadas, promotoras, juízas, engenheiras, arquitetas, professoras (professoras apanham de maridos e de alunos), domésticas etc. apanham porque são mulheres. Apanham porque não têm forças para defender-se. Apanham porque têm esperanças de que o companheiro violento possa mudar: “Ele estava bêbado... não sabia o que estava fazendo”. Nada disso! Desculpar o agressor é mascarar a gravidade do ato e, assim, os músculos dele, mesmo com a cachaça, vão se fortalecendo. A denúncia é a primeira forma de defesa e é preciso coragem para reagir.
A mulher é uma rosa e precisa de redoma, não de coronéis!...
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Sobre o autor
Luzia Almeida
Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação
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