“Um peixe” de Luiz Vilela e a importância da leitura, por Luzia Almeida
“Virou a capanga de cabeça para baixo, e os peixes espalharam-se na pia. Ele ficou olhando, e foi então que notou que a traíra ainda estava viva”. Uma traíra viva suscita um rio de possibilidades, como por exemplo, ser animal de estimação. Assim, temos a primeira ideia que surge na mente do personagem do conto “Um peixe”, de Luiz Vilela, sobre o animal vivo em cima da pia. Mas a ideia de criar um peixe como animal de estimação tem algumas implicações: primeiro porque a ideia não é comum e segundo porque uma traíra é comestível. Entre o incomum e o comestível temos a importância da leitura para o bem e para a felicidade de todos.
A leitura serve para organizar a vida e algumas são básicas como a leitura dos sinais de trânsito: a pressa do motorista pode ser necessária, mas diante do vermelho ele precisa parar, ele tem que parar. No futebol, o jogador não parou e explodiu numa agressão contra o adversário: a leitura do juiz é imediata diante do ato: expulso! Há vários tipos de cartões vermelhos na sociedade e vive melhor quem vive no verde. Mas, há leituras difíceis de fazer como esta do conto de Luiz Vilela: a empregada teria que entender que o peixe que estava nadando numa pia d’água era um animal de estimação.
A primeira atitude do personagem foi colocar a traíra a salvo numa pia com água e a segunda foi sair pra comprar pão pra ela. Mas, espere um momento!... Pão? Sim. Ele foi a padaria comprar pão e já fazendo planos de como iria criar sua “traírinha” — e esta forma de diminutivo já indica muito carinho — “havia o tanquinho no quintal, que a mãe uma vez mandara fazer para criar patos; estava entupido de terra, mas poderia desentupi-lo, arranjar tudo, ficaria cem por cento”. As ideias estavam a mil por hora enquanto ele caminhava em direção à padaria. E na cozinha, silenciosa a traíra dependia não do pão que breve chegaria, mas da leitura e da inferência da empregada diante de um contexto de estima.
Depender da leitura do outro pra viver é um caso sério. A traíra dependia da leitura e da inferência da empregada. Mas ela não entendeu os sinais de vida. O peixe estava vivo e nadando. Isso não foi suficiente para ela interpretar que a traíra não iria para a panela. E ninguém poderá julgá-la pelo trabalho que fez.
Depender da leitura do outro não é negócio. Melhor mesmo é viver num contexto onde a felicidade não negocia com as leituras dos outros: “— Aí? Uai, aí eu escorri a água pra ela morrer; mas você pensa que ela morreu? Morreu nada! Traíra é duro de morrer, nunca vi um peixe assim. Eu soquei a ponta da faca naquelas coisas que faz o peixe nadar, sabe? Pois acredita que ela ainda ficou mexendo? Aí eu peguei o cabo da faca e esmaguei a cabeça dele, foi aí que ele morreu. Mas custou, ô peixinho duro de morrer!”. A traíra morreu com requintes de crueldade e a nós, leitores, fica o alerta: se houver amor, deixe uma placa. Mas, alguém poderá dizer: “Mas... e se a empregada fosse analfabeta”. Então tempo seria de alfabetizá-la e começando com palavras simples do seu dia a dia. Porque, na vida, não fazer as devidas leituras é tão perigoso quanto não saber ler.
O personagem não precisará mais desentupir o tanquinho no quintal, mas sempre fará a leitura de uma possibilidade, de um amor que não teve tempo de ser totalmente gerado porque ele não teve a ideia de deixar uma placa.
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Sobre o autor
Luzia Almeida
Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação
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