“Perfil” de Mauro André Oliveira e a sociedade do espetáculo, por Luzia Almeida
“Qual a melhor foto para colocar no perfil de minha rede social? Hum... será aquela em que estou com a camisa do Iron Maiden de frente para o Palco Mundo do Rock In Rio 2019, ou aquela em que estou montado num Jet Sky no mar de Bertioga?”, é assim que começa a levíssima crônica “Perfil” (https://escritorbrasileiro.com.br) do escritor Mauro André Oliveira e essas perguntas simples de começo escondem teias de complexidades existenciais e carregam as marcas de uma sociedade artificial. Nem Rock In Rio nem o mar de Bertioga projetam personalidades, mas é disso que a sociedade se alimenta. A imagem passou a ser uma ficção existencial e a representação tomou o lugar da essência da vida: um ator faz a maquiagem antes de apresentar-se no palco e encarna o papel que vai desempenhar, findo o espetáculo ele lava o rosto e retorna a sua casa. Na contemporaneidade a maquiagem passou a ser a primeira pele e sendo máscara disfarça verdadeiras situações financeiras e retornar a casa é quase uma utopia, porque a representação quebra a bússola.
A sociedade do espetáculo, no pensamento de Guy Debord, é a sociedade da representação ou da imagem que desqualifica o essencial da vida humana: “tudo o que era vivido diretamente tornou-se representação”. E assim, a era da imagem se estabelece com seus boletos. Nas redes sociais, a selfie próximo a Torre Eiffel em Paris, custa 12 meses “sem” juros: “Mas se todos estão indo a Paris via cartão de crédito, por que alguém deixaria de fazer essa viagem pra postar nas redes sociais?”. Na verdade, não existe Paris, existe o projeto de uma foto em Paris, ou em Londres ou em Roma, ... e a representação ficcional de estar “bem na foto”, embora existam 12 boletos “sem” juros. Nisto percebe-se uma sociedade que impõe um modo de vida pautada na ilusão de uma imagem e se satisfaz na imitação de um comportamento que supõe status social. Mas, sabemos que nem todos têm condições financeiras de passear em Paris.
A crônica do Mauro lança luz ao pensamento de Debord quando questiona a motivação da foto: “Pra falar a verdade, montei no Jet Ski só para posar para a foto”. Essa urgência de aparência desiquilibra a essência do indivíduo quando a hipocrisia da situação o macula... e a sequência de fatos e de fotos desestabiliza o sujeito que, segundo Stuart Hall (2014), já foi unificado e hoje está envolvido com “paisagens culturais” de vários setores: de nacionalidade, de classe, de etnia, de religiosidade, de língua, de sexualidade e de gênero. Essa fragmentação também se percebe na representação (das redes sociais) que sendo imagética é uma pseudoverdade e pode causar danos ao ponto da psicologia ou da psiquiatria. Mas, deixemos de lado a clínica médica, retornemos à crônica que fotografa o ser humano e suas fragilidades ao mesmo tempo que desperta o prazer da leitura e faz-nos felizes com o encantamento da lembrança das praias de Bertioga que, sendo brasileiras, não exigem euros. Na realidade, o brasileiro precisa conhecer o seu chão e valorizar seu litoral.
Guy Debord e Stuart Hall analisam a sociedade na expectativa do espetáculo e da fragmentação e o cronista apresenta o “Perfil” da sociedade recheada de humor. Os filósofos pensam a propósito de relações sociais mutiladas e o cronista escreve essas relações e comportamentos com a singularidade de um uirapuru. Eu fico com o pássaro!...
Para ler outras crônicas da Luzia Almeida, nossa brilhante colunista clique AQUI
Para voltar à capa do Portal o (home) clique AQUI
Para receber nossas notícias, clique AQUI e faça parte do Grupo de WHATS do Imagem da Ilha.
Gostou deste conteúdo? Compartilhe utilizando um dos ícones abaixo!
Pode ser no seu Face, Twitter ou WhatsApp
Comentários via Whats: (48) 99162 8045
Sobre o autor
Luzia Almeida
Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação
Ver outros artigos escritos?