“O pavão” de Rubem Braga e a Lei de Snell, por Luzia Almeida
A crônica “O pavão” de Rubem Braga é genial pela literariedade própria de um escritor talentoso, mas também pelos acordos que se manifestam na luz de um olhar. Em Rubem Braga, cor e amor se encontram numa dispersão luminosa. É paradoxal! A Física facilita o entendimento dessa dispersão de um raio de luz proposto num olhar porque, como a Literatura, também tem seus autores.
“Eu considerei a glória de um pavão ostentando o esplendor de suas cores; é um luxo imperial”: a crônica tem início com as cores de um pavão em nível imperial. O luxo de um imperador é o seu poder que se manifesta a partir de cores. Percebe-se na crônica uma consideração a partir da metáfora. Todavia, os estudos do escritor apontam uma negação: “Mas andei lendo livros, e descobri que aquelas cores todas não existem na pena do pavão. Não há pigmentos. O que há são minúsculas bolhas d’água em que a luz se fragmenta, como em um prisma”. Então, temos uma realidade que vai por água abaixo. Não existe pigmento na pena do pavão. E, como consequência dessa negação, temos outra metáfora: “O pavão é um arco-íris de plumas”.
Um raio de luz que se propaga no espaço tem mais mistério do que poderíamos admitir porque tem em si leis adormecidas que se acordam com a mudança de ambiente. A mudança quebra a retidão do raio de luz e, assim, verifica-se o desvio. Os ângulos servirão de testemunhas na equação dos desvios. Quem estuda sabe!...
Na escuridão, um raio de luz pode acalmar-nos completamente. Na crônica não acalma nada, pelo contrário, atormenta nossa ideia com considerações que lembram Van Gogh: “Eu considerei que este é o luxo do grande artista, atingir o máximo de matizes com o mínimo de elementos” e, assim, podemos visualizar “A sesta” do pintor holandês. “De água e luz ele faz seu esplendor; seu grande mistério é a simplicidade”. Entender o texto literário a partir da ostentação imperial, da genialidade do pintor e da refração da luz na lei de Snell não é para profissionais radicados neste planeta. É para o infinito e além!...
E segue a crônica: “Considerei, por fim, que assim é o amor, oh! minha amada; de tudo que ele suscita e esplende e estremece e delira em mim existem apenas meus olhos recebendo a luz de teu olhar”. Enfim, o amor!... Que elemento multicor e encantado ele poderia considerar a partir da “luz do teu olhar”? O amor, é claro! E, embora seja substantivo abstrato, é feito de luz. O amor de cada um se cobre de bem-te-vis, ou de pardais, ou de pavões. Pensar em amor a partir dos elementos da natureza é pensar colorido. É pensar em constelações sem fim numa Via Láctea que se eterniza nas estrofes dos poetas ou nos parágrafos dos cronistas. “E que seja eterno enquanto dure” como as estrelas no céu.
A luz reveste-se de singular importância na dinâmica de sua projeção e a ilusão das cores de uma pena de pavão é um bom exemplo de refração. A luz ao incidir num meio diferente se contorce em leque colorido. E, como um prisma, também podemos receber essa incidência luminosa para dominarmos e sermos dominados numa disposição lírica, como a do Rubem, que nos faz humanos acima de tudo. Sim, somente o amor pode nos capacitar acima das constelações, porque as estrelas por mais que brilhem intensamente, não podem escrever uma crônica de amor.
Texto por Luzia Almeida, professora, escritora e mestra em comunicação.
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Sobre o autor
Luzia Almeida
Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação
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