“O lutador” de Drummond e a “Cadeira de Gild-Holm-Ur”, por Luzia Almeida
A comunicação precisa ser sem ruídos, precisa fluir constantemente e de modo significativo para que pessoas cheguem ao destino, cheguem à feira, cheguem ao médico, cheguem ao outro etc. Mas, como todos sabem... alguns não conseguem chegar porque seus adversários são bem maiores. É o relógio que não para e o avião segue (indiferente). O relógio é um ator: às vezes amigo, às vezes inimigo. A verdade é que ninguém vive sem relógios, mas mesmo assim, com relógios, precisamos lutar para pôr em dia todas as tarefas e muitas vezes as tarefas atropelam a comunicação. E a falta de palavras atropela o amor.
Carlos Drummond de Andrade entendeu esse pensamento quando escreveu “O lutador”: “Lutar com palavras / é a luta mais vã. / Entanto lutamos / mal rompe a manhã. / São muitas, eu pouco. / Algumas tão fortes / como o javali”. A comunicação de Drummond acontece principalmente através de palavras “mal rompe a manhã”. É uma dureza! As palavras são como pedras de rio... e o poeta fica numa situação!... Domar as palavras é ir além do “Cabo Bojador”. Mas, ainda não é tudo. A luta com as palavras ao amanhecer é nada. Queres ver uma coisa? A luta com pessoas não é nada fácil, pessoas também são difíceis de domar.
Machado de Assis apresenta-nos perfis de personagens que sofrem e lutam pela sobrevivência e outros personagens que nos assustam pela semelhança com os seres humanos. No conto “O enfermeiro” temos os dois tipos: os que sofrem e os maus. O personagem “Procópio” (sofredor) vai trabalhar como enfermeiro de um homem rabugento, “se fosse só rabugento, vá; mas ele era também mau, deleitava-se com a dor e a humilhação dos outros”. “Procópio” pensa em abandonar o doente depois das bengaladas que recebeu, o doente abandona essa atitude, “mas as injúrias ficaram as mesmas, se não piores. [...] era burro, camelo, pedaço d’asno, idiota, moleirão, era tudo”. E lutar com palavras amargas também era uma luta em vão, sem sentido porque as injúrias era consequência da doença. Esse tipo de luta não é raro, infelizmente.
Lutar, lutar, lutar! (suspiros) Quem não consegue conjugar esse verbo, não conhece a arena do seu domínio e também não conhece a alegria de uma vitória. Às vezes, a vitória é atropelada pelos caminhos do coração como se verifica em “Os trabalhadores do mar” de Victor Hugo. O personagem “Gilliatt” viveu o drama da luta por amor, venceu os desafios do mar, venceu a febre e venceu o polvo, mas o coração de “Déruchette” era de “Ebenezer” ... estava comprometido com outro... o outro, sempre o outro. A natureza e o outro juntos contra “Gilliatt” é uma grande covardia. De que maneira ele os venceria? Eis a luta “mais vã”: lutar contra o comando do coração de “Déruchette”.
“Gilliatt” é um ser paradoxal: ao mesmo tempo que é exemplo de lutador é também, de perdedor. Depois de vencer as afrontas da natureza que deixaria até mesmo Hércules pálido, ele vai sentar-se na “Cadeira Gild-Holm-Ur”. Sentar-se nesta cadeira significava entregar os pontos: “Era tarde. A maré crescera a pouco e pouco. A água cingia o rochedo. Estava-se perdido”.
Sempre haverá lutas: com palavras, com pessoas, com polvos... O importante é que essas lutas, na sequência, acabam amolando a espada. E uma espada amolada é melhor que duas guardadas. Cingir-se com uma espada amolada é para quem não se entrega às cadeiras. A vida também tem sentido numa arena.
Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em comunicação.
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Sobre o autor
Luzia Almeida
Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação
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