“O Grito” de Munch e os outros gritos, por Luzia Almeida
A obra expressionista “O Grito” de Edvard Munch é uma das mais famosas pinturas da expressão humana do ocidente. Pintada no século XIX, simboliza medo,angústia e desespero. Se Munch não tivesse pintado em 1893, poderia dizer que foi pintado depois que ele leu o poema “José” de Carlos Drummond de Andrade, publicado em 1942. Verdade seja dita, o “José” do poeta ganha várias faces nas cores dos artistas pintores. E o tempo não pode superar medo, angústia e desespero. O tempo é implacável, mas não ao ponto de impedir que obras de arte estejam conectadas.
“E agora, José? [...] / Está sem mulher, / está sem discurso, / está sem carinho, / já não pode beber, / já não pode fumar, / cuspir já não pode”. A enumeração negativa nos versos de Drummond configura o quadro de Munch: um perfil de perdedor. Mas um perdedor isento de julgamento: Quem há que possa julgar “José”? Ele não é réu, é vítima. As subtrações na vida de “José” implicaram despesa existencial (a regência do verbo implicar, no sentido de acarretar, anula até a preposição). Implicar é verbo-josé e aponta um coletivo social. Uma estrela morta que ainda brilha.
Ainda considerando a angústia independendo de uma causa específica, temos na canção de Roberta Estrela D’alva e Xênia França essa vontade de gritar que se estanca estrangulada: “A garganta é a gruta que guarda o som / A garganta está entre a mente e o coração / Vem coisas de cima, vem coisas de baixo e de repente um nó (e o que eu quero dizer?) / Às vezes, acontece um negócio esquisito / Quando eu quero falar eu grito, quando eu quero gritar eu falo, o resultado / Calo”. Essa aparente desordem ou desiquilíbrio entre gritar e falar, visto na canção, corresponde às mais variadas situações por que passamos na vida, situações em que somos agredidos e não temos a palavra certa pra dizer na hora “Você não tem o direito de falar assim comigo” ou “Com quem você pensa que está falando?” E dizer isso de forma calma para fazer o interlocutor averiguar o tom de voz ou as palavras que está usando. Muitas vezes nos calamos e o mais que conseguimos é abrir a fonte das lágrimas porque a garganta ficou presa. “A garganta é a gruta que guarda o som”, guarda também a indignação, a ofensa, o desrespeito sofrido. O som tem a equivalência de um dicionário. Mas, pode ser também, contrariamente, que a garganta guarde o som do elogio pra alguém que nos deixa perplexos, encantados... Nós, os seres humanos, temos na garganta, muitas vezes, um tesouro a ser entregue e acabamos por negar essa entrega... e por quê? É porque somos complexos, não somos perfeitos. Calamos quando devemos falar e gritamos quando temos certeza de que ninguém irá nos ouvir. Um grito fora de hora. Impotente. Treinamos e não gritamos.
Gritar de verdade é para quem tem coragem! Gritar para o mundo como fez o Edvard na tela. Eis aí o mistério da vida. É achar a saída no labirinto através das cores como ele fez. Ou mesmo Van Gogh: pegou o amarelo e o ressignificou para provar ao mundo que há muito a ser aprendido com seus traços e girassóis.
O verbo gritar é da primeira conjugação (ar) e o verbo fugir é de terceira (de baixa qualidade). Assim entendemos que existe uma ordem para gritar frente aos dramas da vida. Grito à medida que entendo o sofrimento humano, ainda que meu grito não tenha som... Eu escrevo!
Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em comunicação.
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Sobre o autor
Luzia Almeida
Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação
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