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Proposta e contraproposta em “O Mandarim” de Eça de Queirós

A Literatura como espelho para dilemas éticos e existenciais. (Foto: Divulgação)

Publicado em 13/12/2024

          “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”: este trecho da música de Arnaldo Antunes faz sentido para “Teodoro”, personagem do conto “O Mandarim” de Eça de Queirós, quando resume o ideal de riqueza a que ele aspirava. Pobre Teodoro! Personagens há que estão cobertos de humanidade e de insanidade e, assim, são exemplos negativos para nós que estamos fora da página.

          A Literatura é uma mina para quem quer refletir questões que levam os mortais a sucumbir. Sucumbir é um verbo extremamente regular e as questões que acometem a raça humana sugerem que sejamos “titãs” para lutarmos contra nossa própria vontade hedonista. “Teodoro” não lutou, entregou-se. Matou o Mandarim: “No fundo da China existe um Mandarim mais rico que todos os reis de que a fábula ou a História contam [...]. Para que herdes os seus cabedais infindáveis, basta que toques essa campainha, posta a teu lado, sobre um livro. Ele soltará apenas um suspiro [...] Será então um cadáver”. No momento do crime, “Teodoro” tinha um cúmplice, um personagem sinistro que o convenceu a tocar a campainha considerando seu miserável salário de “amanuense do Ministério do Reino”:

          “— Aqui está o caso, estimável Teodoro. Vinte mil réis mensais são uma vergonha social! Por outro lado, há sobre este globo coisas prodigiosas: há vinhos de Borgonha, como por exemplo o Romanée-Conti de 58 e o Chambertini de 61, que custam, cada garrafa, de dez a onze mil réis”. E se ficasse só no vinho não seria tão terrível... ele passa a descrever prazeres que Teodoro não conhecia e não havia ninguém por perto que o acudisse dizendo “Não faça isso!” e apresentasse uma contraproposta: humanitária e a favor da vida e dos Direitos Humanos. Nestes termos:

          — Meu amigo, não penses que todo esse dinheiro te trará felicidade com a morte de um homem. Matar é o preço de deleites sem fim, mas... o que farás com tua consciência? Ela ficará embotada ou sairás atrás de rituais religiosos para amenizar tua dor. Herdarás de modo ilícito uma fortuna através do homicídio. Achas mesmo que serás feliz? Poderá um homem descer à sepultura pela tua mão enquanto caminhas a sorrir num campo de lírios? Poderás ser feliz a partir da desgraça de uma família inteira? Meu amigo, tens um pequeno salário, é verdade, e tens comida todos os dias, tens um teto e uma cama para descansares sem culpa. Olha, a culpa não é como dor de dente. Ela vai minando o coração de um homem até levá-lo à loucura. Não penses tu que todos os prazeres do mundo poderão te fazer feliz com a sempre presença do Mandarim morto no teu encalço. Cada pessoa é exemplar único de humanidade e não tens participação neste processo raro de criação. Nada entendes de criação, embora, infelizmente, tenhas à mão uma arma e podes liquidar o que não criaste. Achas mesmo que ficarás impune?

          A Literatura permite-nos raciocínios a favor da vida. A fala do personagem que convenceu “Teodoro” a tocar a campainha é mortal, mas também serve para ser comprovado o engodo do convencimento e a situação abjeta porque ele passa a partir da herança maldita. Ele tocou a campainha e se tornou um assassino, mas a Literatura resgata a proeza da contraproposta a partir de raciocínios possíveis da simplicidade de uma vida entre lírios, sem crimes e, portanto, sem os horrores da culpa.

 

 

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Sobre o autor

Luzia Almeida

Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação


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