O suplício de Tântalo, por Luzia Almeida
Um retrato literário de amor, submissão e tragédia emocional
O romance “O seminarista” de Bernardo Guimarães, publicado em 1872, constrange-nos a pensar de modo mais responsável sobre nossas escolhas, principalmente aquelas escolhas relacionadas à profissão e ao relacionamento amoroso. Há escolhas erradas e escolhas certas. Escolhas erradas desencontram da felicidade. Então, é preciso escolher corretamente para não viver um eterno suplício.
Eugênio (personagem do romance) era feliz na infância com sua doce Margarida. O problema era que ele tinha alguma inclinação à vida eclesiástica e os pais dele o apoiaram deveras: “— Vou para o estudo, Margarida; papai mais mamãe querem que eu vá estudar para padre”. Pobre menino! Ele não tinha noção sobre o que era o claustro e o quanto sofreria longe de Margarida.
Na infância, Eugênio era feliz com Margarida, mas eles cresceram e seu pai governava sua vida: “— Mas eu não sou senhor de mim, Margarida; hei de fazer o que meu pai mandar”. No seminário, ele encontrou outros senhores e os senhores encontraram seus poemas escondidos: “Ali tu ressoando a doce avena / A Clore cantarás que é tua vida; / E eu te escutando chorarei saudades / Da minha Margarida”. Ele foi chamado para explicar-se sobre o poema e ficou aterrorizado com as palavras que lhe foram dirigidas: “—Que hipócrita! [...] Em tão tenra idade e já com o coração tão corrompido!... ah! velhaquete!... e andava-me aqui com carinha de santo!... que castigo merece uma hipocrisia tal!...”. Eugênio não acreditava que amar Margarida era um tipo de corrupção.
Assim, quando ficou claro para ele que teria que abrir mão de Margarida para poder ter uma vida totalmente devotada, quis recuar, apelou para a mãe: “— Ah! minha mãe... também eu... a falar a verdade... não tenho vontade nenhuma... [...]. — De ser padre, minha mãe...”. A mãe de Eugênio preferia vê-lo como sacerdote a vê-lo casado com Margarida. O pai dele também. Difícil essa sina do nosso rapaz. Quem poderia ajudá-lo? Ninguém! Nenhuma Sinhá Rita que pudesse ajudá-lo como ajudou Damião no conto machadiano “O caso da vara”. Bernardo Guimarães, diferente de Machado de Assis, levou o personagem até o altar e o sacrificou com a loucura.
A literatura é um farol quando pensamos nos personagens Damião e Eugênio. O personagem machadiano consegui fugir: “Damião fugiu do seminário às onze horas da manhã de uma sexta-feira de agosto. [...]. Desconhecia as ruas, andava e desandava; finalmente parou. Para onde iria?”. Mas Eugênio foi duplamente manipulado: para ele só havia o verso de Drummond “E agora, José?”. Ele não tinha forças para lutar por seu amor; tinha um temperamento brando e passivo. Era facilmente manobrado por todos. Não conseguiu ascender socialmente embora tivesse um pai fazendeiro, também não ascendeu emocionalmente, embora tivesse o fiel amor de Margarida. A conjunção “embora” era sua fiel companheira: uma bruxa da floresta, ou um tipo de Curupira pra fazê-lo errar o caminho. O caminho de Eugênio estava traçado com a sede do amor. E foi Bernardo Guimarães que o concebeu no ventre da conjunção: um personagem fraco, desprovido de vontade e, que, sem audácia nenhuma, perdeu-se num labirinto de manobras.
Todavia, Eugênio faz lembrar a música da banda Skank “Te ver e não te querer / É improvável, é impossível”. Lembra também Tântalo quando contemplava o amor nos olhos de Margarida sem, contudo, desfrutá-lo. Quando ousou fazê-lo foi condenado pela própria consciência por conta dos votos que fizera.
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Sobre o autor
Luzia Almeida
Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação
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