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O dia 20 de novembro e os dragões que sobraram, por Luzia Almeida

A verdadeira liberdade está na memória da resistência e na luta por direitos que ainda precisam ser conquistados. (Foto: Pixabay)

Publicado em 22/11/2024

O dia 13 de maio de 1888 — dia da abolição da escravatura — anda longe de nossas vistas. São 136 anos de distância de uma ação que não implicava representatividade para aqueles que foram libertos. Foram libertos de que? Da senzala? Sem escola o ser humano mora na senzala da ignorância. A Lei Áurea não trouxe escolas para os filhos dos ex-cativos, inserção no mercado de trabalho nem reconhecimento de uma cultura riquíssima. Hoje, o dia da festa e do reconhecimento de liberdade é fixado no calendário nacional a partir de muita luta dos negros, e é antes de tudo, um dia de resistência que levanta a memória de Zumbi dos Palmares e a vida que ele sonhou para si e para seu povo e que finalmente alcançou novembro: um novembro com cheiro e cor de resistência, como disse João José Reis: “Onde houve escravidão, houve resistência”. De maio de 1888 a novembro de 2024: o sonho de liberdade palpita vivíssimo, mas ainda está coroando.

          A metáfora da maternidade não se aplica ao poeta Cruz e Sousa: ele não viu nascer o novembro da resistência. Não viram muitos negros que foram assassinados numa fuga enlouquecida porque os grilhões pesavam demais. Fuga da saudade da pátria, fuga da dor do chicote, do domínio imposto pelos senhores das terras. Na história da Brasil, os senhores das terras eram carrascos sem capuz. Eram legitimados pelo poder e por isso não se escondiam. O poder autorizava o domínio e ignorava a vergonha.

          Liberdade não combina com correntes nem com tráfico humano. A palavra liberdade existe para marcar uma luta de direitos humanos e de espera de um sol que deveria ser para todos, deveria ser para todos também a oportunidade de escola, de trabalho e de ascensão social. A palavra liberdade é uma princesa numa alta torre esperando que o príncipe a liberte matando os dragões da indiferença, da intolerância e do racismo. Livre dos dragões a Liberdade aspira seus aromas e canta as canções que aprendeu na infância. Canções antigas que falam de um povo que aportou nessas terras brasileiras. Para cantar é preciso ser livre!...

          Cruz e Sousa (1861-1898) não cantou a canção da liberdade, embora tivesse respirado os ares das escolas. E embora tivesse voz e talento: seu canto era triste, um tipo de “I Juca Pirama”. Os dragões eram maiores do que ele e a torre, altíssima. O poema “Cárcere das almas” confirma a hipérbole dessa altura. Observe a primeira estrofe: “Ah, Toda a alma num cárcere anda presa / Soluçando nas trevas, entre as grades / Do calabouço olhando imensidades, / Mares, estrelas, tardes, natureza.”. Observe as palavras flagrantes de uma situação de dor: cárcere, trevas, grades, calabouço. O poeta sonha com a liberdade na segunda estrofe: “Tudo se veste de igual grandeza / Quando a alma entre grilhões as liberdades / Sonha e, sonhando, as imortalidades / Rasga no etéreo Espaço da Pureza.”. A liberdade que Cruz e Sousa sonhava ainda está adormecida em muitos corações incrédulos, todavia há um sol que se derrama nesta pátria de sonhadores de justiça.

          O dia 20 de novembro — dia da Consciência Negra no Brasil — destaca-se num contexto ainda de lutas e resistências. O sol desse dia raiou para iluminar as mentes dos brasileiros que ainda dormem o sono da indiferença e para combater muitos dragões sem fogo que andam por aí distraídos da legalidade achando que os quilombos atuais não resistirão. Estão enganados!...

 

 

 

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Sobre o autor

Luzia Almeida

Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação


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