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Metalinguagem poética em Mário Quintana, por Luzia Almeida
Mais do que versos, uma reflexão sobre o que torna o poema algo humano, belo e fugidio

A poesia de Mário Quintana é feita de metáforas raras, sentimentos profundos e um mistério que desafia definições.(Foto: Pixabay)

Publicado em 20/06/2025

          Existe em Mário Quintana uma urgência em definir poesia, como se isso fosse possível! Mas ele chega tão perto, tão perto que são melhores as tentativas que o objetivo pretendido. E nisso, nas tentativas, há tanta ternura e inteligência que é quase um sofrimento. E por quê? Ora, sofrer faz parte da essência humana e é matéria de poesia também.

          Definir poesia não é para profissionais! Não é algo para os parnasianos, nem para os ultrarromânticos. Também não é para os simbolistas. Definir poesia seria para os deuses do Olimpo. Entenderam? Os elementos da definição poética vão além da conotação, dobram na esquina da Torre de Ismália e mergulham no mar de Castro Alves. Isso mesmo! Não é para nós.

          Mas, chegar perto da definição como fez Mário Quintana concede notoriedade à escola modernista por conta do talento deste incrível poeta. Só ele foi capaz de triscar o conceito a partir da ideia de um gole d’água:

“Um poema como um gole d’água

bebido no escuro.

Como pequenina moeda de prata

perdida para sempre na floresta noturna.”

          A ideia fantástica de beber “um” gole d’água no escuro remete a uma experiência tão simples e ao mesmo tempo tão complexa. A simplicidade reside no comum do ato e a complexidade, na raridade. Bebemos água todos os dias, toda hora... água é essencial! Todavia, um gole d’água bebido no escuro... o que ele quer dizer com isso? Quer dizer que é raro. Quem já bebeu apenas um gole de água no escuro? Em que circunstância se bebe apenas um gole d’água no escuro? Perguntas pertinentes e que contemplam o sentido do fazer poético, mas também não é simples assim se considerarmos a pequena moeda de prata. Quem poderá achar uma pequena moeda de prata numa floresta e... de noite?! Ninguém acha! Mas, não há proibições de procurá-la e se considerarmos a Matemática... há possibilidades de encontrá-la. O importante é saber que há uma moeda de prata e ela está perdida na floresta esperando resgate. Que coisa! Que coisa maravilhosa é saber que alguém conseguiu trazer à luz uma ideia tão original sobre o fazer poético. É de um brilhantismo, de um entendimento, de um engajamento com as palavras que chega a doer no coração pela alegria e pela satisfação de saber que não é possível definir poesia.

          “Os poemas são pássaros”, Mário disse. Parecia cansado, então voltou-se para sua amiga Metáfora e apropriou-se do voo e tentou revelar essa interação que há entre o ser e a poesia: “alimentam-se um instante em cada par de mãos e partem. / E olhas, então, essas tuas mãos vazias, no maravilhoso espanto de saberes que o alimento deles já estava em ti”. Quanta generosidade de Quintana! O poeta concede à construção poética a essência humana. Essa inteligência comunicativa que envolve todos os seres humanos na dança fantástica do belo. Escrever poesia é arte e mistério. A língua humana é um código para Roman Jakobson estudar por toda a eternidade: a metalinguagem definida por ele não conheceu Quintana. Há um mistério que quase passa despercebido para os poetas. O mistério da conjugação do belo, da dor e da solidão.  O mistério da comunicação dos sentimentos. O mistério de tirar a roupa de uma palavra para vesti-la de noiva. Sim, Mário Quintana entende de vestidos, de dor e de angústias, por isso ele trisca o conceito:

“Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa condição de poema.

Triste.

Solitário.

Único.

Ferido de mortal beleza.”

 

 

 

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Sobre o autor

Luzia Almeida

Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação


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