Escrevendo em red-blue, por Luzia Almeida
Uma crônica sobre o amor, sendo mais do que o 'Eu te amo'
Sempre é cômodo falar em poesia. A palavra poética é um tipo de oxigênio, de água e de luz. Embora seja simples entender a partir dos elementos básicos: oxigênio, água e luz; isso não reduz nem um pouco a complexidade da palavra de amor, porque o sentimento que organiza o texto se veste de poesia e, como um pássaro azul, canta nas manhãs de abril. O sentimento de amor é um pássaro azul. Então, definir poesia passa por tantos pássaros luminosos que nos obrigam a pensar no deleite da saudade de tantas frases de amor que foram manifestas na ausência da timidez. A poesia é um verbo red-blue e dispensa todos os requebros da noite, porque não há cor na escuridão. Conjugar o verbo red-blue é como passar rente a artéria aorta e mergulhar num mar de encantamento que se mostra através da engrenagem de tantas frases que não se perderam porque a palavra, que é pássaro, também é farol.
No poema de amor há um vínculo que nunca perde o sentido. Pode ser comparado ao amanhecer. As palavras, que amanhecem, organizam-se em fileiras — para receber um rei ou uma rainha — um tipo de cenário real que acena sutilezas sem fim. Acenos que se mostram em sorrisos e reverências para notificarem o dia. Assim, o poema “Aurora” de Carlos Drummond de Andrade aponta, como exemplo, o que quero propor nesta conjugação de ideias, onde o amor não se percebe no ímpeto do sentimento, mas no flagrante do nascimento do dia: “Entretanto eu te diviso, ainda tímida / inexperiente das luzes que vais acender / e dos bens que repartirás com todos os homens”. Há uma promessa de afeto e de liberdade que amortece a adversativa “entretanto” e transpõe o verbo “divisar”. O que é lindo em um poema não é apenas o que se percebe nas ideias do poeta, que as palavras tentam traduzir, mas o mistério do que quase é dito, quase sentido e quase anunciado. É essa parada brusca que enternece o coração. A parada que fica entre — na fronteira — no meio de um suposto significado etéreo. O não dito que é gritado pra dentro... que, embora sendo grito, também é soluço e consolo.
Dizer “Eu te amo” apenas: é quase inválido, é muito simples pra quem tem a profundeza do oceano no coração. Não diga somente “Eu te amo” porque isto é uma terrível economia. As palavras fervem. Abandone a simplicidade e avence na semântica do coração. Há apelos com roupas de fadas. Há sóis e planetas sem nomes. Não se pode viver sem regar as palavras que protestam por discursos afetivos. O ser humano alcançou territórios inéditos e não pode, simplesmente, perder-se com três palavras. Assim, apesar das dormências da vida, o que cura e afasta o assombro da noite sempre será a poesia. Ela precisa ser descoberta como uma borboleta rara no seio de uma floresta. Seu azul precisa ser descoberto e seu vermelho, adivinhado.
E o poema de Drummond continua: “Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações, / adivinho-te que sobes, vapor róseo, expulsando a treva noturna”. A poesia do amanhecer é um caminho pra quem quer vencer os desafios da vida. Não basta ter uma caneta, é preciso ser poeta. Não se pode controlar os dias, os meses e as eras... é preciso fugir do controle da palavra tempo-exato, da palavra engessada e dar suporte a tantas canções que ainda estão esperando seus autores. A vida existe e é agora. A vida é a cor da caneta. É uma bênção e também é prece.
Texto por Luzia Almeida
Para ler outras crônicas da nossa brilhante colunista clique AQUI
Para receber notícias, clique AQUI e faça parte do Grupo de WHATS do Imagem da Ilha.
Gostou deste conteúdo? Compartilhe utilizando um dos ícones abaixo!
Pode ser no seu Face, Twitter ou WhatsApp!
Para mais notícias, clique AQUI
Sobre o autor
Luzia Almeida
Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação
Ver outros artigos escritos?