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Em 2025 e ”Na galeria” com Kafka, por Luzia Almeida

Reflexões sobre a visão, ilusões e como tomamos decisões diante da realidade. (Foto: Pixabay)

Publicado em 03/01/2025

O conto “Na galeria” de Franz Kafka pode ter sido germinado a partir de uma visita feita ao Louvre em Paris. Ele deve ter visto o quadro “Le cirque” de Georges Seurat. Isso é uma possibilidade: houve a visita e o quadro estava lá diante do escritor. Agora, é difícil saber o que originou as articulações que aconteceram entre os dois parágrafos que compõem o conto-poema. Mas, como é janeiro no início, temos uma grande oportunidade para a reflexão sobre o que de fato estamos vendo.

          Quando colocamos uma colher dentro de um copo d’água podemos vê-la quebrada: a visão engana-nos. É exatamente isso que ocorre no conto e, deste modo, auxilia-nos diante daquilo que vemos como se fosse uma ilusão. Ter a segurança e a certeza da inteireza da colher, embora os olhos digam o contrário, é um tipo de defesa para muitos golpes. Na verdade, eu não queria colocar a palavra golpe que já está demais consumida, quase perdendo seu significado. Posso optar pela palavra cilada, ou armadilha, ou “laço do passarinheiro”, ou ilusão, ou encantamento. Outro dia fui a uma loja de departamentos e o funcionário que me abordou estava com o crachá virado ao contrário e nele estava escrito “encantador”. Eu já tinha o cartão dessa loja, isto é, já havia sofrido o encantamento. E, romper com o encantamento é cancelar o cartão. Mesmo assim, o cancelamento não anula o fato ocorrido, ainda que legitima o desencanto. Mas, voltemos ao conto.

          O conto “Na galeria” é constituído de dois parágrafos apenas (apresenta uma situação que é vista de duas maneiras num circo) e em cada maneira temos um comportamento diferente. O primeiro parágrafo começa assim: “Se uma amazona frágil e tísica fosse impelida meses sem interrupção em círculos ao redor do picadeiro sobre o cavalo oscilante diante de um público infatigável pelo diretor de circo impiedoso de chicote na mão, sibilando em cima do cavalo...”. Essa situação provocaria a seguinte reação: “talvez então um jovem espectador da galeria descesse às pressas a longa escada através de todas as filas, se arrojasse no picadeiro e bradasse o basta!”. Digamos que esse seria um comportamento real.

          A outra maneira: “uma bela dama em branco e vermelho entra voando por entre as cortinas que os orgulhosos criados de libré abrem diante dela; o diretor, buscando abnegadamente os seus olhos respira voltado para ela numa postura de animal fiel; ergue-a cauteloso sobre o alazão como se fosse a neta amada acima de tudo que parte para uma viagem perigosa; não consegue se decidir a dar o sinal com o chicote”. Nessa maneira, o comportamento é assim: “o espectador da galeria apoia o rosto sobre o parapeito e, [...], chora sem o saber”.

          É a mesma cena de circo e podemos observá-la de modos diferentes. A leitura que cada um faz depende de vários fatores que podem levar a tomada de uma decisão ou a um choro emocional. E se você chorou “Agora não tem mais jeito, / Cê tá numa cilada. / Cada um por si, / Você por mim e mais nada...”.

          Em 2025 veremos várias colheres dentro de copos que poderão tirar lágrimas de nossos olhos, mas não esqueça que dentro e fora d’água a colher está inteira. E inteira, não procederemos com lágrimas, procederemos com atitudes que traduzem um “basta!” porque não estamos diante de “uma bela dama de branco e vermelho”, estamos diante de uma pobre “amazona frágil e tísica”.

 

 

 

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Sobre o autor

Luzia Almeida

Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação


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