Drummond, Picasso e a Arte da Rosa, por Luzia Almeida
Definir guerra não é fácil. Guerra é algo paradoxal, complexo e irracional. Essa tríade aponta para o homem na sua essência que, embora racional, é capaz de matar. O homem é assim, o homem é a guerra. Nesse sentido, os verbos matar e guerrear são sinônimos. Então, definir guerra pelo Aurélio não fará sentido posto que a denotação não dará conta de significados implicados. Ficarão faltando os aspectos que são apenas percebidos pelo viés da Literatura e da Arte.
Primeiro a Literatura com Carlos Drummond de Andrade e sua obra poética Sentimento do Mundo (1940) que nos revela o Brasil no contexto histórico-social da Segunda Guerra Mundial (1939-1940). A partir do poema “Os ombros suportam o mundo” entendemos que “Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus”. Que significa isso? Insensibilidade. As pessoas estavam anestesiadas! Ele queria gritar “Não percebem? Estamos vivendo um momento terrível! Não se acomodem!” Infelizmente, era um momento de “absoluta depuração”. O amor estava cancelado: “Tempo em que não se diz mais: meu amor”. Sem amor não dá. É necessário ter sentidos afiados para continuarmos vivos.
Em seguida temos a Arte com Pablo Picasso (1881-1973) e seu quadro Guernica pintado em 1937 por ocasião da guerra civil espanhola: são partes de gente e de animais. Sim, são pedaços, dores, espantos. Tudo o que é horrível e lamentável se vê em Guernica; mas também é outdoor contra o militarismo e é luta pela liberdade. De acordo com o gabarito da questão do Enem 2011, considerando a produção cubista do pintor espanhol, Guernica é um “painel ideográfico, monocromático, que enfoca várias dimensões de um evento, renunciando à realidade, colocando-se em plano frontal ao espectador”. A composição da obra não traduz o sentido antifascista do pintor. Picasso pintou o verso de Drummond: “Ficaste sozinho, a luz apagou-se”. A solidão poética de Drummond abraça a Espanha nos pedaços humanos de Picasso. Literatura e Arte, leitor e espectador diretamente confrontados com as obras dos artistas citados rejeitam os dados da atualidade bélica. E o quadro O Grito (1893) de Edvard Munch é convocado para ilustrar espanto neste tempo que se diz com absoluta tristeza “Meu Deus!” diante da guerra Rússia-Ucrânia. Para o bem da humanidade é bom lembrar toda a devastação que uma guerra pode causar.
Então, pensem nos “ombros” de Drummond. Pensem nos pedaços de Picasso. “Pensem nas meninas cegas, inexatas / Pensem nas mulheres, rotas alteradas”. Se pensarmos com responsabilidade não cairemos na fraqueza da insensibilidade e do comodismo. Continuaremos sentindo horror à guerra e a rejeitaremos: “Mas, oh, não se esqueça da rosa, da rosa.”
Assim, para fazer um contraponto de jardim com Vinicius de Moraes, diremos que o mundo precisa da rosa denotativa. Precisa da rosa real, cheirosa. Da rosa branca, vermelha, amarela. A rosa do buque que na troca do abraço remete à ternura e ao carinho. A rosa do vaso na sala que faz lembrar o dia feliz. É essa rosa de que o mundo precisa. Da sua beleza, do seu frescor, do seu orvalho que purifica as manhãs de julho e nos convida a escrever canções de amor.
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Sobre o autor
Luzia Almeida
Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação
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