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Álvares de Azevedo no contexto de Setembro Amarelo, por Luzia Almeida

Álvares de Azevedo no contexto de Setembro Amarelo, por Luzia Almeida
Setembro Amarelo não pode ser anacronismo: é um movimento contemporâneo que amplia a rede de escuta e cuidado. (Foto: Freepik)

Publicado em 12/09/2025

“Se eu morresse amanhã, viria ao menos / Fechar meus olhos minha triste irmã; / Minha mãe de saudades morreria / Se eu morresse amanhã”. O poema de Álvares de Azevedo é a ultrassonografia do seu triste coração e o título do poema “Se eu morresse amanhã” tem a ousadia da denúncia de uma vida que se finda com “crisântemos roxos que descoram” e sem o amarelo atual repleto de significados de empatia e de solidariedade.

Setembro Amarelo não se ajusta a Álvares de Azevedo por impossibilidades temporais. Ele era de setembro, mas de séculos e o “amarelo” deste mês é de hoje, é urgente e tem as marcas da compaixão, todavia uma coisa temos como legado deixado por ele: seus poemas ultrarromânticos e sua dor de existir que revelam angústias do ser humano e que podem ser combatidas. Poesia e dor laçam as palavras do coração como testemunhas de uma época difícil e sem esperanças:

“Quando em meu peito rebentar-se a fibra / Que o espírito enlaça à dor vivente, / Não derramem por mim nem uma lágrima / Em pálpebra demente”: o poema “Lembrança de morrer” também tem esse desejo aberto e explícito de morrer. A morte era tema de outros poetas que cultivavam a angústia e a melancolia como disse Junqueira Freire em “Morte”: “Pensamento gentil de paz eterna / Amiga morte, vem. Tu és o termo / De dous fantasmas que a existência forma, / — Dessa alma vã e desse corpo enfermo”. São dois poetas que comungam o desejo de partida.

As marcas do ultrarromantismo ou do mal do século que se observam nos poemas descartam possibilidades florais e primaveris e abraçam o que Paul Verlaine escreveu sobre uma “Canção de outono” (tradução de Guilherme de Almeida): “E vou à toa / no ar mau que voa. / Que importa? Vou pela vida, / folha caída / e morta”. Sentir-se sem um norte, sem projeto pode ser fúnebre. Poetas há que naufragaram na existência seduzidos pelo além. Mas a vida está aqui, presente neste sol e neste vento. No barulho da chuva e no sorriso da criança. Achar sentido na vida hoje é fundamental. Há melancolias rondando nossos jardins e a primavera de nossos sonhos não pode ser descartada.

A vida que se permite não é unitária, não se pode pensar em vida fora do sentido de sociedade, fora do sentido matemático de conjunto, fora do sentido de “amarás o teu próximo como a ti mesmo”. E essa capacitação de amor é possível e equivale ao valor que cada um dá à sua própria existência (valor de ouro). Não existe solidão neste Setembro Amarelo. Existe uma mão que funciona como abrigo e ouvidos de abraços. É esta mão estendida é casa de que todos precisamos e a escuta é uma semeadura fraterna. Assim, o sentido da vida pode brotar porque na união o terreno fica fértil.

Álvares de Azevedo não conheceu o Setembro Amarelo embora tivesse o carinho da mãe e da irmã. Mas eu gostaria muito de vê-lo feliz, rosado e cheio de planos para o futuro com toda a sua competência poética e abandonando de vez o mal que o aterrorizava e que ele fingia abraçar numa cumplicidade byroniana.

 

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Sobre o autor

Luzia Almeida

Luzia Almeida

Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação


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