A redação nota mil e a moeda perdida, por Luzia Almeida
Com um tema surpresa e requisitos complexos, a redação do Enem exige mais que conhecimento básico
O tema da redação do Enem 2024 foi “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”, excelente tema, mas ninguém sabia que o tema seria este. Ninguém! Esperava-se um tema social problemático para que os alunos apresentassem uma solução ou uma proposta de intervenção, mas, sem conhecer o tema, como poderiam apresentar uma proposta eficiente na elaboração de um texto dissertativo-argumentativo e em pouco tempo? Haja vista que não era apenas a prova de redação que deveriam fazer, havia também a prova de Linguagens.
A prova de redação do Enem é uma das provas mais difíceis do planeta: foram 3,2 milhões de participantes e apenas 12 tiraram a nota mil, ou seja, conseguiram a nota máxima e isso me faz refletir sobre esta questão. A prova é corrigida a partir de cinco competências e cada competência vale 200 pontos. A primeira competência é “Demonstrar domínio da norma padrão da língua portuguesa”. Mas o domínio da norma padrão da língua portuguesa de um aluno que concluiu o Ensino Médio é diferente do domínio de um graduado em Letras. Mas, a prova espera muito mais que o conhecimento adquirido no Ensino Médio. O Exame Nacional do Ensino Médio pretende muito mais do que conhecimento do Ensino Médio e os alunos não têm o domínio da norma padrão da língua portuguesa como teria um graduado em Letras. Mas a banca pretende que os alunos tenham o conhecimento de uma Gramática de Língua Portuguesa inteira, da morfologia à sintaxe: regência verbal, regência nominal, concordância verbal, concordância nominal, pontuação, acentuação, sintaxe, colocação pronominal etc. Acho que o nível de exigência da prova explica o número de candidatos que conseguiram alcançar a nota máxima: apenas 12 de 3,2 milhões de candidatos. Há algo estranho nestes números.
E, voltando ao tema: quais disciplinas e quais escolas (públicas ou privadas) apresentaram conteúdo ao aluno sobre os “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”? Artigos, livros, palestras, documentários etc. Ora, as disciplinas cumprem os seus programas e este tema merecia, durante o 3º ano, um suporte especial. Os alunos então estariam preparados. Mas o tema do Enem é sempre um segredo, um mistério, uma angústia. E por quê? Será que é para barrar as condições de preparação? Vejo que nas provas dos concursos, as bancas apresentam o conteúdo programático. E o tema do Enem não seria também uma parte desse conteúdo programático? O Inep poderia indicar pelo menos uns 10 temas para os candidatos estudarem e aproveitaria para também indicar 10 livros da Literatura Brasileira começando com Machado de Assis e seguindo com Graciliano Ramos, Lima Barreto, José de Alencar... para a prova de Linguagens. Já aí a preparação seria inteligente e acabaria com a incógnita do tema e Machado de Assis seria a descoberta para 2025. Uma brilhante descoberta!
O Inep precisa rever os critérios de correção da prova de redação do Enem. É necessário pensar com inteligência e apresentar os temas da redação para que a dificuldade de conseguir a nota máxima seja revista. Por hora, alcançar a nota mil se compara a achar a moeda de prata de Mário Quintana: “Um poema como gole d’água bebido no escuro. / Como pobre animal ferido, / Como pequenina moeda de prata perdida / para sempre na floresta noturna.”. E, se há beleza no poema, não há beleza alguma em ver nossos alunos comprovadamente desqualificados para tirar mil numa prova que é deles.
Para ler outras crônicas da Luzia Almeida, nossa brilhante colunista clique AQUI
Para voltar à capa do Portal o (home) clique AQUI
Para receber nossas notícias, clique AQUI e faça parte do Grupo de WHATS do Imagem da Ilha.
Gostou deste conteúdo? Compartilhe utilizando um dos ícones abaixo!
Pode ser no seu Face, Twitter ou WhatsApp
Comentários via Whats: (48) 99162 8045
Sobre o autor
Luzia Almeida
Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação
Ver outros artigos escritos?