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A palavra de luxo em Adélia Prado e Graciliano Ramos, por Luzia Almeida

A secura de amor... Ora!... amar é um luxo. Quem quer ouvir palavras de amor com a barriga vazia? (Foto: Pixabay)

Publicado em 05/07/2024

Alguns escritores traçam uma rota em seus poemas e romances de acordo com uma ideia ou com uma palavra de luxo. Luxo, não pelo valor significativo, mas pelo contexto no qual ela está inserida. Assim, o poema “Ensinamento” de Adélia Prado lança luz nas várias securas de Fabiano quando declara: “Não me falou em amor. / Essa palavra de luxo.” Mas, o que é maior que uma palavra de luxo?

          A leitura de um romance pode ressignificar palavras a partir de contextos, socorrendo desta maneira os dicionários. Por exemplo, “Vidas Secas” de Graciliano Ramos, publicado em 1938, ressignifica a palavra secura. A obra apresenta pelo menos quatro securas por que passa Fabiano: de comida, de amor, de conhecimento e de comunicação.

          A secura de comida é a pior de todas. Contemple o cenário do romance: é o sertão nordestino: “e foram despertados por Baleia, que trazia nos dentes um preá. Levantaram-se todos gritando. [..]. Sinhá Vitória beijava o focinho de Baleia, e como o focinho estava ensanguentado, lambia o sangue e tirava proveito do beijo”. A degradação provocada pela fome bestializa a infeliz família e oprime o leitor que não espera um cenário desses.

          A secura de amor... Ora!... amar é um luxo. Quem quer ouvir palavras de amor com a barriga vazia? A falta de amor em “Vidas Secas” chega à fronteira do desespero:

          “O menino mais velho pôs-se a chorar, sentou-se no chão.

          — Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai”.

          Isso é maneira de tratar um filho? Claro que não! Mas, amor numa terra sem água e sem comida... ora o que é o amor pra quem vive num desespero de fome? Percebe-se que Fabiano, o pai, não trata o filho com amor porque está embrutecido pela fome e pela seca. A comida não é nem “pasto”. Pobre Fabiano! “Você precisa de quê?” Com o coração esturricado tal qual o chão que ele pisa... Quem poderá, com a barriga cheia, levantar o dedo para apontá-lo numa reprovação moralista? É claro que o comportamento dele, enquanto pai, não está correto, mas julgá-lo está acima de nossas competências sensoriais. Fabiano quer só comida. Será?

          Ainda, pra completar, a secura da comunicação — “Fabiano também não sabia falar. Às vezes largava nomes arrevesados, por embromação” — aliada à secura de conhecimento jogam Fabiano na cadeia: “Nunca vira uma escola. Por isso não conseguia defender-se, botar as coisas nos seus lugares. [...]. Se lhe tivessem dado ensino, encontraria meio de entendê-la”. A falta de conhecimento deixa Fabiano exasperado, aflito com a dor da ignorância e se percebe indefeso frente a arbitrariedade e arrogância do soldado amarelo.

          “Vidas Secas” apresenta Fabiano cercado de nada. Um nada que faz doer o corpo e a alma. E, apesar do nada, há nele um tom de humildade quando opta por não matar o soldado amarelo numa atitude de vingança. Nesse contexto de fome, de miséria sistêmica e de embrutecimento, Fabiano é um vencedor — sem esquecer as negligências da paternidade — ele vence a covardia do assassinato com a coragem da submissão. “Tirou o chapéu de couro, curvou-se e ensinou o caminho ao soldado amarelo”. Mais que palavras de luxo... “A coisa mais fina do mundo é o sentimento” de Fabiano e suas reflexões sobre espancar criaturas indefesas e deixar seguir viagem aquele que o espancou e o prendeu.

 

 

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Sobre o autor

Luzia Almeida

Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação


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