A Literatura e os dramas da paixão, por Luzia Almeida
Reflexo e influência nas experiências humanas
“Conteve a respiração por um instante, cravou as unhas na palma da mão e disse, muito rapidamente: “Estou apaixonado por você.” Viu que ela corava de repente, como se alguém tivesse batido em seu rosto”. O personagem Miguel, do conto “Domingo” de Mario Vargas Llosa, está apaixonado e terá que duelar com Rúben para ter o amor de Flora. Uma paixão arrebatadora que poderia também arrebatar sua própria vida. Em casos como esse de paixão, o que acontece com a razão? A razão recolhe-se como um bichinho assustado procurando abrigo. A paixão domina o cenário mundial. Há paixões sobre todos os aspectos, mas eu quero me deter em Literatura porque encontro humanização e parceria com os personagens. Em outras setores, a parceria poderia significar crime.
O personagem Miguel apaixona-se por Flora, mas há outro personagem interessado também por ela e Miguel não pretende ceder. Ele investe convidando-a à matinê, mas é rejeitado: “— Olhe, Miguel — disse Flora; sua voz era suave, cheia de música, segura. — Não posso responder agora. Mas a minha mãe não quer que eu saia com garotos até terminar o colégio”. Uma desculpa esfarrapada de quem não está apaixonada. Para Miguel a única chance era conquistar primeiro a admiração dela e bêbado, aceita o desafio de Rubén. A paixão dialoga com a loucura. Rubén propôs: “— Vamos ver quem chega primeiro à arrebentação”. Mas isso era loucura porque estavam bêbados. Rubén continuou: “— Se você ganhar, prometo que não dou em cima de Flora. E se eu ganhar você se manda de mala e cuia”. Mas havia quem não concordasse com essa disputa: “— Estão malucos — disse Francisco. — Eu não desço até a praia com este frio. Façam outra aposta”. Mas a paixão não ouve o bom senso, não ouve ninguém.
A Literatura apresenta personagens que são verdadeiros monumentos na apresentação da paixão, como é o caso da paixão de Dimítri, do romance “Os irmãos Karamázov", de Dostoiévski, que se perdeu por Agrafiena Alexsandrovna conhecida por Grunchenka, uma moça de má fama. Uma paixão perturbadora que o deixou completamente cego e o levou a ameaçar o próprio pai. Há níveis de loucura na paixão, mas não há cercas de segurança. Quem está apaixonado está pisando um terreno minado. Retornar ao terreno seguro não é para amadores e a paixão não conhece profissionais... é ávida como uma águia e sagaz como uma serpente. E falando em serpente, eis que aparece para completar este quadro de personagens, a nossa querida e sedutora Rita (mulher do Vilela) da obra “A cartomante” de Machado de Assis: “Camilo quis sinceramente fugir, mas já não pôde. Rita, como uma serpente, foi-se acercando dele, envolvendo-o todo, fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o veneno na boca”. Pobre Camilo, por causa desse espasmo ele irá receber um recado que é o boleto da paixão. Esta metáfora é válida porque o boleto também tem prazo de vencimento e Camilo não tinha tempo nem inocência pra rejeitá-lo: “No dia seguinte, estando na repartição, recebeu Camilo este bilhete de Vilela: “Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora.” Era mais de meio-dia”. Para quem está apaixonado, saindo com a mulher do próximo e recebe ume bilhete desse, a fome passa na hora.
A Literatura, no que se refere à paixão, tem muito a ensinar-nos: não apenas no que se refere às consequências dos possíveis delitos, mas também pelo farol que representa para aqueles que querem fugir das serpentes.
Texto por Luzia Almeida
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Sobre o autor
Luzia Almeida
Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação
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