A literatura e a formação do leitor, por Luzia Almeida
A formação do leitor pode começar de várias maneiras: com a grandeza de um poema, com a situação de um conto, com a imagem de uma crônica, com um artigo que ele tenha lido e assim teve seus interesses despertados ou mesmo com um romance se a pessoa já estiver na fase adulta. Feito isso, com o interesse acordado, segue-se um repertório a ser conquistado.
O poema “Canção mínima” de Cecília Meireles é um excelente texto para despertar o interesse da criança: “No mistério do Sem-Fim, / equilibra-se um planeta. / E, no planeta, um jardim, / e, no jardim, um canteiro, / no canteiro, uma violeta, / e, sobre ela, o dia inteiro, / entre o planeta e o Sem-Fim, / a asa de uma borboleta.”. A leitura, na infância, deve ser despertada com inteligência, considerando a gradação (como se observa no poema da Cecília) e sem obrigações. Se há prazer na leitura nos anos iniciais da vida, então há possibilidades dessa criança se tornar um adulto consciente e crítico.
E a leitura de um conto? O conto é, antes de qualquer coisa, uma leitura agradável! Sim, porque apresenta uma história: uma narrativa que envolve gente (autor e leitor), envolve personagens nas mais inusitadas situações, nas mais interessantes questões... sem contar com o talento do escritor que nos faz pensar na beleza da linguagem. Começar a ler um conto é o mesmo que entrar num avião: sempre há emoção... Ora turbulência, ora calmaria. Mas subir e descer é algo fantástico. Assim é ler um conto. Por exemplo, o conto “Noites brancas” de Dostoievski começa assim: “Era uma noite maravilhosa, uma dessas noites que apenas são possíveis quando somos jovens, amigo leitor” (tradução do Carlos Loures). Observe a capacidade de codificação que o escritor Dostoievski confere à situação emocional do ser humano diante do ser amado: a beleza da noite não decorre da situação climática, mas da situação emotiva. A beleza da noite acontece a partir de uma idade emocional — “quando somos jovens”. Quando somos jovens estamos aptos para viver noites maravilhosas mesmo com setenta anos ou viver a noite do personagem que também é nossa pela leitura.
Ainda falando de noite, há um conto da Marina Colasanti que começa assim: “Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear”. “...como se ouvisse o sol...”ouvir o sol é além das estrelas!... Esse “atrás das beiradas da noite” é magnífico e vale pelo conto inteirinho. A personagem nem precisava mais sentar-se ao tear. E nem vou comentar o ... “como se ouvisse o sol”. Como assim? O sol é pura visão e tato. Ver e sentir já não basta? Não! Para Colasanti é preciso ouvir “o sol chegando atrás das beiradas da noite”. Quanta literariedade! Quanta beleza!
Ficou até parecendo que o conto é todo feito de noite ou de estrelas perdidas onde os escritores podem escrever um milhão de contos e encantar um universo de bilhões: com noites inteiras maravilhosas, ou com amores perdidos: “Longe de ti são ermos os caminhos / Longe de ti não há luar nem rosas / Longe de ti há noites silenciosas / Há dias sem calor, beirais sem ninhos.”, como disse a Florbela, ou com Nastenkas indecisas ou com moças que sentadas ao tear pensam em maridos. Seja como for, na literatura haverá sempre amor que é o elo da emoção: alimento fundamental para o ser humano.
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Sobre o autor
Luzia Almeida
Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação
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