Hoje todos sabem sobre tudo. Agora imagine você ler sobre o oposto: sobre o nada. Isso mesmo: Sobre nada
Uma reflexão sobre o vazio e a plenitude do 'nada'
Imagino que se você viva na loucura da sociedade atual (quem não??), onde frequentemente dizemos que não temos tempo para “nada”.
Ou que quando seu cônjuge/namorado/marido/esposa pergunta o que você tem, que está “aéreo, em modo avião” e pensando em 826.292 mil coisas a serem resolvidas, mas você responde:
- “Não tenho nada. Não estou pensando em nada”.
Ou se é empreendedor ou está em uma jornada para realizar um sonho, e se sente...que nem uma, nem duas vezes..“ e que nada, nada, e morre na praia”. É, é realmente difícil chegar onde se almeja ou sonha estar.
(Uma vez um paciente me disse que matar um leão por dia é até fácil. O problema é desviar das antas. Eu ainda acho graça disso. E é verdade).
Ou que pior, nesses tempos de intenso bombardeio cultural - muito conteúdo sendo “despejado” - proveniente de todos os lados (aplicativos, pdfs, Kindle, livros, jornais, WhatsApp, instagram, face, x, etc, etc..), você lê tudo, e saibe de tudo um pouco, mas no seu íntimo, não está lendo efetivamente sobre nada.
Nada a fundo. Nada, profundo. Nada.
Ué, gente, a Amanda não ia escrever sobre o nada?
Pois é. É difícil escrever sobre o tema, porque o nada acaba sempre tornando-se algo, se é que já não era algo antes. Ou que sempre seja algo, e nós que erroneamente nominamos de “nada”.
Esses tempos atendi uma paciente que não “se convencia” que tinha bruxismo: eu relatava sobre os sinais e sintomas, mostrava os sinais nos dentes desgastados, na língua marcada, na tensão cervical, nas restaurações e próteses que quebravam.
Então perguntei a ela: “vamos fazer assim: quem sabe me contas o que está se passando? Só não vale responder “ nada”.
E foi assim, que ela relatou o “tudo” que ela estaria passando. Sim, o diagnóstico de bruxismo se confirmou. E a aceitação para controlá-lo também.
Existe o “nada” quando vamos ao terapeuta (psicólogo, psicóloga) e pensamos:
- “Creio que hoje em especial, eu não tenho nada para falar”.
O que acontece? São os dias em que mais falamos sobre tudo. Já aconteceu isso por com você?
Ou quando alguém que é seu amigo, pergunta com profundidade - aquele olhar olho no olho - sem escapatória:
- “O que aconteceu? Me conta!”
- “ Nada”- você responde.
- “Não, não. Nada não. Pode me contar”.
E aí, o nada também vira tudo.
Fazer nada. Quem consegue?
Eu acho bem difícil.
O nada sempre envolve fazer algo, mesmo que você não esteja prestando atenção. Um filme, o programa de sempre na televisão, tempo em redes sociais, ler livro, meditar. Mas aí já são todos verbos. Ações. Movimento. Não é nada, certo?
Não sejamos injustos: Há quem consiga fazer nada.
Deitar no sofá, olhar para o nada, fazer nada.
Porque até dormir é um verbo. Não conta com o nada que estamos falando.
(Pensando bem, creio que deveríamos dar uma folga pra mente, pra o agito mental das sinapses cerebrais e fazer nada de tempos em tempos. Quem conseguir, por favor escreva para mim e passa a “dica do como”).
Acabou? Não. Tem vários usos do “nada”.
O nada é um pronome? Poderia ser usado como pronome indefinido. O nada não define absolutamente nada.
Mas ele é considerado hoje, um advérbio de intensidade, usado para enfatizar uma negação. E que ênfase!! Colocamos o nada em tantos momentos…
- “Nossa que linda essa roupa que você está!”
- “Ah isso? Imagina. Não é nada. É velho”.
- “Nossa, que mesa linda você colocou”.
- “Ah, não foi nada demais”.
- “Obrigada por você ter dado carona para o meu filho”.
- “Ah, não foi nada”.
- “Por que você está assim quieta?”
- “Não é nada”.
Quando eu estava no carro com meu filho de 5 anos e um amiguinho, e fui questionada sobre o porquê de eu estar com um olhar distante, de quem estaria “viajando”, respondi prontamente:
- “Não é nada filho”.
Ele replicou:
“Sempre que alguém diz nada, é tudo”.
Ele já deve ter estreado nesse mundo com essa informação no chip mental dele. Ou, em sua pequena existência, já aprendeu o que nós adultos - que divagamos agora sobre o nada - ainda fazemos: repetimos, quase sempre, o erro de ocultar o tudo dentro do nada.
Texto por Dra. Amanda Lima (Dentista)
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Sobre o autor
Amanda Lima
Cirurgiã dentista - Especialista em prótese dentária / Pós graduada em odontogeriatria
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