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Um olho na tela e o outro também
Quase a totalidade dos brasileiros que assiste TV navega na internet ao mesmo tempo

(Ilustração: Thiago Moratelli)

Publicado em 08/06/2018

Uma pesquisa realizada pelo Ibope/Conecta mostra que cresceu – e muito - o número de brasileiros que assistem televisão com o smartphone em mãos. Você é um deles? Pois saiba que já somos (me incluo totalmente nessa) quase 95% da audiência brasileira. Ou seja, se há menos de uma década a preocupação dos produtores de telejornais e novelas era de como reter o telespectador brigando com outros pontos de atenção como: jantar em família, lavar a louça, ajudar na tarefa dos filhos ou fazer qualquer outra atividade doméstica, agora é como se o desafio anterior fosse brincadeira de criança. Quem pode contra a internet? Ao que tudo indica, nem a Globo pode.

O estudo realizado este ano em todas as regiões brasileiras das classes A a D é um grito agonizante de alerta para veículos de comunicação, anunciantes, produtores de notícia e de entretenimento: a tela da TV não é mais suficiente para o brasileiro. Hoje ele é multitela, de fato. Fica com um olho na TV e o outro em várias outras telas do seu smartphone. Uma totalidade quase absoluta das pessoas faz isso. Éramos 68% em 2013, hoje somos 95%.

O resultado do estudo sugere discussões não só comportamentais, mas principalmente de mercado. Afinal, quando uma emissora diz que possui um certo percentual de audiência, não pode mais afirmar que há um equivalente número de pessoas assistindo àquela programação naquele determinado horário. Quer dizer tão somente quantos televisores estariam ligados naquele canal e naquele horário. Ou seja, nos transformamos numa espécie de zumbis em frente à TV, mas com nosso cérebro abduzido pelo Whatsapp, pelo Facebook, por portais de notícias online, por joguinhos, compras, enfim, por todo um mundo oferecido hoje na palma da mão de cada um.

Assistimos à TV, mas não prestamos atenção. Acompanhamos a novela “quando dá” e sobre aquela matéria noticiada no Jornal Nacional “vimos alguma coisa por alto”. Uma avalanche de números dá conta da mudança de postura do brasileiro na poltrona da sala: o Brasil, segundo o IBGE, tem 116 milhões de pessoas conectadas à internet. No fim do ano passado, 70,5% dos lares do país já tinham acesso à web – mais do que rede de esgotamento sanitário, que é oferecida a apenas 66% das residências. E os celulares estão presentes em quase a totalidade (92,7%) dos domicílios brasileiros.

Esse cenário – que só tende a se intensificar – reflete o tamanho do impacto nos meios de comunicação convencionais.  Se os jornais impressos foram obrigados a se reposicionar e estão empreendendo uma verdadeira guerra para mostrar seu verdadeiro valor frente à avalanche das fake news propagadas pelas redes, a pergunta que fica é: e a televisão brasileira, como é que vai se reinventar para não perder a batalha para a “segunda tela”? Esse é o desafio que vem tirando o sono de muitos Bonners e Aguinaldos Silva por aí. Enquanto isso, o que se vê é a derrocada da audiência qualificada, com a TV tradicional perdendo atenção, o público fiel envelhecendo e diminuindo de tamanho.  Ideias? Se tiver, negocie bem. Você terá resolvido a questão financeira de algumas gerações futuras da sua família.

“Fake news não é culpa da internet. Elas sempre existiram”

O jornalista Willian Waack, que está às vésperas de completar 50 anos de profissão, foi o convidado da Jornada de Debates da ADI (Associação dos Diários do Interior) para tratar do assunto que mobiliza a mídia no momento: as chamadas fake news, ou notícias falsas. O evento, realizado na Fiesc, reuniu cerca de 200 empresários e profissionais da área de comunicação.

Cobrindo eleições como repórter desde 1976 nas principais capitais do mundo, Waack diz que nunca presenciou um processo eleitoral que não tivesse tido fake news. “Jogo político é um jogo bruto e pesado, e não de luvas brancas e punhos de renda. E notícias falsas sempre foram plantadas e bem cultivadas nesse campo, seja em que plataforma for”.

A tese de Waack é que essa febre de fake news não é culpa da internet. A internet apenas trouxe à tona o que já acontecia nos bastidores, segundo ele. Apostando na ideia de que essa avalanche de notícias falsas é bem mais complexa do que simplesmente a incapacidade das pessoas de verificarem a veracidade das notícias que recebem, Waack afirma que o que está acontecendo é uma descrença generalizada nas instituições, entre elas a própria imprensa.

O que está em xeque é a credibilidade de pessoas e veículos de comunicação até então reconhecidos como os guardiões da verdade e complementa: “descobrimos que as redes sociais são tão boas quanto as ideias que trafegam por elas. Ou seja, um mar de boçalidade, de radicalismo, de intolerância e de violência”. Fato.

 

*Ilustração: Thiago A. Moratelli é designer gráfico, ilustrador e diagramador. Cria soluções visuais em diversos formatos com imaginação e originalidade, mostrando que uma ideia nem sempre precisa ser dita em palavras.