SC do futuro: uma forte classe média
Neste domingo, 30, mais de 5 milhões de catarinenses vão voltar às urnas para o que - se espera - seja mais um espetáculo de Democracia. Por isso, na coluna de hoje, vamos ao cerne de uma questão fundamental para esta série sobre Propostas e Metas sobre a Santa Catarina do futuro, algo que deveria ser central em qualquer plano de governo: o objetivo de sermos um país e um Estado majoritariamente de classe média.
Este objetivo significa um dos alicerces da estabilidade política, paz e prosperidade das democracias ocidentais, mas nunca foi uma meta central, explícita e moral da nossa sociedade, dos partidos, dos políticos e das classes dominantes brasileiras à esquerda e à direita; ainda não passa perto de ser uma ideia-força de base para o país, nem para SC.
Mesmo assim, cabe aqui ressaltar, mais uma vez, que a construção do nosso Estado, desde a chegada dos colonizadores, na segunda parte do século 19, teve como traço fundamental um maior equilibro entre as regiões e as cidades, uma boa distribuição demográfica e também de atividades econômicas e educacionais – fazendo com aqui se criasse uma classe média diferenciada, o que diminuiu as desigualdades sociais. Mas SC é uma exceção à regra da maioria dos estados da Federação.
As conquistas dos países europeus e do seu estado do bem-estar social, no pós-guerra, o desejado “welfare state”, tiveram como racional a formação de uma robusta classe média lastreada em educação, produtividade e acesso ao consumo de massa. Sobretudo nos EUA, o ideal das classes médias se confunde com a essência do sonho americano, o “American Dream”, hoje radicalmente dividido e fragilizado pela queda da mobilidade social e consequente encolhimento das classes médias. Na própria Declaração de Independência norte-americana, em 1776, é assegurado não apenas o direito à vida e à liberdade, mas à busca da felicidade (“pursuit of happiness”).
Neste século, a ascensão econômica do Canadá, Austrália, Nova Zelândia, e com o tempo, dos tigres asiáticos Japão, Coréia do Sul e Taiwan estão baseados em seus modelos de classe média. Até mesmo a China, com o capitalismo de estado liderado por Xi Jinping, em seu megaprojeto de país declara como prioridade “transformar a China em um país de classe média, com crescente acesso ao consumo serviços públicos e bens culturais”.
De volta à América Latina, uma boa parcela da esquerda, mais antiquada e estereotipada em seu stalinismo, trotskismo ou gramcismo, ainda olha de forma enviesada para o desenvolvimento de uma genuína classe média como uma “incubadora da burguesia”; a direita mais rústica raciocina em um simplismo darwinista-social do tipo “se não chegou à ascensão social é porque não tem competência”, sem a mínima noção do sentido que deu Tocqueville à equidade e à igualdade de oportunidades no seminal “Democracia na América” e do processo de afluência coletiva que é possível a partir de um processo de desenvolvimento equilibrado, com modernização política e econômica.
De fato, a formação de um país de classe média não é um desafio banal, pois requer compromissos e princípios públicos fortes, alta capacidade de negociação e pactuação pela construção gradativa de amplos aumentos de oportunidades e produtividade.
Ainda assim, talvez pela estreiteza de entendimento de alguns segmentos políticos e sociais, as reformas e avanços institucionais que podem nos levar a um ganho de produtividade, oportunidades e maior afluência social é interpretado como “sacrifício”, e não como um projeto democrático de país.
O mercado de consumo de bens mais sofisticados nos países desenvolvidos se deu somente após o atingimento de padrões básicos de “consumo de massa” e de bens culturais. Sendo assim, dificilmente uma família de classe média alemã ou japonesa compraria mais uma televisão, ou automóvel ao obter um aumento de renda – como comumente acontece no Brasil. Por já encontrar seu equilíbrio e se encontrar em países com economia mais estável, podem, então, gastar em viagens, lazer, cultura, além da sua educação e dos filhos, e poupar.
Os brasileiros, obviamente, ainda estão longe de atingir este estágio. Na realidade, boa parte da população que constituiria a chamada “classe média” seriam as famílias com renda acima de 20 salários-mínimos mensais, que equivalem às classes medianas europeias e norte-americanas em poder aquisitivo bruto, mas que no Brasil já fazem parte de nossa “classe média-alta”, ou quase alta, ainda que, na prática, estejam muito distantes da classe alta em padrão global.
No entanto, a questão do consumo e da classe média no Brasil vai muito além de um comportamento mais moderado de economia doméstica.
Um ponto vital é que os bens de consumo disponíveis à classe trabalhadora e média brasileira são extremamente caros, majorados por custos sistêmicos, impostos e juros que se transformam em bolas de neve de endividamento. Nessa questão, a se somar a relativa baixa remuneração tanto da classe trabalhadora quanto da suposta classe média, o preço relativo dos bens pode chegar a cinco ou seis vezes ao de um consumido em país desenvolvido.
Desta forma, a renda disponível do brasileiro de classe média, em famílias com renda de 5 a 15 salários-mínimos, após custos financeiros e impostos, é bastante baixa. A combinação de preços altos de produtos com salários e ganhos baixos são cruéis jabuticabas envenenadas que vicejam no Brasil que deixou de lado a meta central de formação de uma verdadeira classe média para o seu sucesso civilizatório.
A produção e a produtividade dos brasileiros são cercadas de ineficiências do custo Brasil. O resultado de boa parte do esforço dos brasileiros acaba nas mãos do setor público, do setor financeiro e de grandes grupos privados (oligopólios) que formam preços. Poupança interna e investimentos gravitam uma taxa relativamente baixa, de 18%, quando o razoável seria de, pelo menos, 25%. Daí buscarmos a poupança externa com frequência e nos depararmos com outro problema: grande parte dos investidores internacionais evita se submeter à complexidade de um país que resiste em evoluir institucionalmente.
A formação de um mercado consumidor interno robusto depende do fortalecimento da classe média e da classe trabalhadora. E isso se dá quando passam a ter real poder aquisitivo a partir de ganho de produtividade, aumento real do nível de remuneração, redução do custo financeiro e de impostos.
O Brasil afirma ainda mais suas idiossincrasias ao exaltar a informalidade, enquanto esconde o seu conservadorismo e imobilismo, por vezes de forma até mesmo inconsciente. A formação de uma verdadeira classe média forte deve ser um destino manifesto do Brasil, com benefícios econômicos, sociais e políticos sem precedentes. E em torno disso devemos nos estruturar e mobilizar.
Quem sabe já a partir de semana que vem, com os novos governos e parlamentos eleitos, o objetivo de termos uma robusta classe média suba para o topo da pauta e deixe de ser apenas um ideal, para se transformar numa ideia-força e um projeto para o país e para Santa Catarina.
Da redação
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Sobre o autor
Vinicius Lummertz
Secretário de Turismo e Viagens do Estado de São Paulo
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