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“Por trás daquelas grades” e o eterno navio, por Luzia Almeida

Foto: Internet/ Reprodução **Clique para ampliar

Publicado em 01/12/2023

A coletânea de contos “Por trás daquelas grades”, da editora Estante Amazônica, publicada em 2022 e organizada por Tarcísio Moraes e Geraldo Cavalcante, tem a marca ficcional na estrutura do conto e a dor real daqueles que estão privados de liberdade. Ficção e realidade unidas num livro que aborda loucura, fuga e humanidade e nos convida a pensar nos Direitos Humanos e na desigualdade social na perspectiva do pensamento do ministro Silvio Almeida. A coletânea apresenta vinte e dois contos na penitenciária.

Geralmente, perde-se a liberdade quando se perde a cabeça. Isso verifica-se no conto “Na horta do cárcere” do escritor Adriano Monte Alegre: “O fato é que meu erro produziu em si um revés. Fugindo das amarras de um empregador incorri no fatídico crime que me levou ao próprio cativeiro. Perdi a cabeça”. É perdendo a cabeça que se acha as algemas. Quando a ira anula a razão, os sentidos de liberdade são esquecidos. Então, não se pode achar as chaves de casa porque as mãos estão ocupadas com as grades.

E, quando se está atrás das grades, “vivendo” todo tipo de privação, há sempre o pensamento de fuga como nos mostra o escritor Mauro André Oliveira no conto “A fuga”: “Encurralados, correram para a outra extremidade do telhado, com o zumbido dos tiros sibilando nos seus ouvidos, decidiram saltar lá de cima num córrego que passava nos fundos do presídio”. Fugir é verbo da terceira conjugação embora demonstre uma primeira necessidade: a liberdade. Liberdade para comer: “De manhã sobre a mesa ela deixava / um pão fresco envolvido numa estopa”. Pães de um cotidiano perdido e que não foram pensados na hora do crime.

Todavia, além da loucura do crime e da loucura da fuga, há um conto nesta coletânea que nos envolve na doce alegria da empatia e da solidariedade; é o conto “Gatilhos” do escritor Ilberto Luis Trentin: “Desta vez, não poderia levar meu futebol para diversão com os encarcerados, pois esse talento já me abandonara há tempos, mas levar algumas palavras e alguns itens básicos de higiene como doação colocaram significado em meus dias vazios de aposentado”. É maravilhoso! O Ilberto nos constrange à empatia. Somos vulneráveis, somos feitos do mesmo barro e, assim, precisamos pensar no outro, na sua situação degradante e na sua carência.

Nesse sentido, o ministro dos Direitos Humanos Silvio Almeida nos convida a refletir sobre a situação carcerária brasileira. E começa fazendo visitas nas penitenciárias para confirmar: “Se eu deliro... ou se é verdade / Tanto horror perante os céus?!...”. Superlotação, maus tratos... Será verdade? No Brasil, há muitas urgências: na área da saúde, da educação e da segurança pública, mas não podemos fechar os olhos e, assim, furtar a humanidade dos presos herdeiros de um porão de navio. De acordo com a Folha de São Paulo de 20 de julho de 2023: “com 832 mil presos, Brasil tem maior população carcerária de sua história. [...] A maior parte dos presos é negra (68,2%)”. Números terríveis que o conto “Seguindo a multidão”, do escritor Darlon Carlos, confirma: “Plano inteiro; um homem na casa dos sessenta anos, cabelos grisalhos, negro, mancando, algemado”. É a história sem fim de um navio que se transformou em penitenciária. É o ranço da escravidão: essa chaga que exposta ao céu clama pelo “Senhor Deus dos desgraçados!” e espera de Silvio Almeida o mesmo coração de Castro Alves.

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Sobre o autor

Luzia Almeida

Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação


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