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O vermelho da segunda página (parte 2), por Luzia Almeida
Como foi o dia de Paula após sair batendo a porta

Um café dos sonhos com xícaras de porcelana chinesa e colherinhas douradas, que a irmã tinha ganho no casamento. (Foto: Pinterest)

Publicado em 20/01/2024

      Era sábado e Paula disse-lhe que iria sair. Ele até tentou um convite pra um passeio no balneário. Mas ela disse “Detesto aquela gente!... Vou visitar minha irmã”. E saiu batendo a porta. Mas, imediatamente sentiu a gravidade da sua grosseria, ficou com vontade de voltar e pedir desculpas, mas o carro que havia pedido pelo aplicativo já estava parado, na frente de sua casa. Ela pensou: “Depois converso com ele!...”. Também pensou em mandar uma mensagem pelo WhatsApp, mas mudou de ideia. No carro estava pensativa, com vontade de chorar. Lembrou-se de sua mãe que sempre a aconselhou a controlar seus ímpetos. Mas ela continuava do mesmo jeito de sempre e uma lágrima escorregou pelo seu rosto.

         Logo chegou à casa da irmã que a aguardava na porta. Abraçaram-se. A irmã disse-lhe com carinho:

         — Feliz aniversário, meu amor! 

         — Obrigada!

         — Mas, que cara é essa? — perguntou Carla assustada.

         Paula fez um bico, mas não respondeu. Perguntou:

         — Já tomaste café?

         — Há muito tempo!...

         As duas entraram e foram direto pra cozinha:

         — Já sei! Vou fazer uma coisa pra você! — disse Carla pra animar a irmã. — Sente-se na sala que eu vou preparar a mesa pra você.

         — Não precisa! — disse Paula meio sem jeito.

         — Precisa sim. É seu aniversário e vou fazer algo diferente e bem bonito pra você.

         Então Paula foi pra sala e sentou-se. Pegou um livro abandonado no sofá e disse:

         — Não sabia que você gostava do Kafka!...

         — Gosto muito! — respondeu Carla.

         Paula leu o primeiro parágrafo do livro “A metamorfose”: “Certa manhã, depois de despertar de sonhos conturbados, Gregor Samsa encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso”. Ela ficou pensando na situação do personagem transformado num inseto. Perguntou pra irmã:

         — Já terminaste de ler?

         — Já! Estou lendo de novo!... Queres ler?

         — Quero!

         — Tudo bem! Eu te empresto.

         Então Paula guardou o Kafka para si e pensou:“Ainda não tenho um escritor favorito...” e lembrou-se de que o escritor favorito de Douglas era Dostoiévski. Ela era graduada em Administração e não tinha muita ligação com a Literatura.

         E lá da cozinha, Carla perguntou:

         — Queres chá ou café?

         — Chá! 

         Então Carla abriu o armário para pegar as xícaras de porcelana de ganhara de sua mãe no seu casamento. Pegou também as colherinhas douradas. Disse:

         — Tudo pronto!

         Paula se levantou e seguiu para a cozinha e contemplou a mesa que sonhou no seu aniversário. Havia pão fresco, tapioca e bolo de chocolate. Frutas, geleia, queijo e presunto. E, num vaso havia flores que a irmã colheu do quintal para enfeitar a mesa. Paula ficou emocionada e abraçou a irmã:

         — Muito obrigada!

         — Mas, me conta! Cadê o Douglas?

         — Deve estar jogando bola com os amigos no balneário.

         — Não acredito!... Ele se esqueceu do teu aniversário?!...

         — Esqueceu!

         — E tu não falaste nada?

         — Eu não!...

         — Mês passado tu fizeste a maior festa no aniversário dele. Deste um i-phone de presente...

         — Fiz um café da manhã de rei...

         — Gente! Como é que ele pode se esquecer...

         — Ainda queria me levar pro balneário e me deixar sozinha, porque quando ele está com os amigos... ninguém mais existe! Queres saber? Acho que vamos terminar! O que ele tem de bonito tem de parado... Eu nunca vi uma pessoa sem ambição como o Douglas! O meu salário já é maior que o dele e pensas que ele se importa?!... Nada! Eu fico cobrando, perturbando a cabeça dele pra ele fazer um curso... 

         Paula cortou uma fatia de bolo de chocolate. Continuou:

         — Agora ele inventou que quer ser poeta!...

         — Poeta?

         — Sim. Ele escreve versos. Eu acho isso uma idiotice.

         A irmã descordou:

         — Não é não! É muito bacana que ele goste de poesia...

         — Mas poesia não dá dinheiro...

         — Mas a vida não é feita só de dinheiro!

         Paula parou e ficou pensando enquanto comia o bolo. Depois disse à irmã:

         — Eu sou uma mulher prática. Sei o que quero e me esforço pra conseguir. Na minha vida, quer dizer, na nossa vida em casa com papai e mamãe, nós sempre fomos disciplinadas. E o lema de casa sempre foi “Estudar e trabalhar”. Lembra? Eu me esforço demais no trabalho. Já comprei minha casa e agora pretendo comprar um carro. Mas esse ideal de vida não consigo compartilhar com o Douglas, porque ele não vê a vida assim... Olha! Ele é daqueles que chega atrasado no trabalho...

         — Jura?

         — Eu estou te falando!... Sabe o que ele diz?!... Que compensa no fim do expediente.

         Carla fez uma cara de espantada.

         — Mana, quer dizer que ele chega atrasado no trabalho?

         — Chega!... E não se abala. Nada o abala!... 

         Carla estava pensando em aconselhar a irmã a ter paciência com Douglas, mas ficou em dúvida.     Ela preferiu propor um programa divertido pra levantar o astral da irmã. E Paula pensou em dormir na casa da irmã e só voltar pra casa no domingo.

 

 

 

 


Sobre o autor

Luzia Almeida

Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação


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