O grito silencioso de Ana Terra Vignes
Ana Terra Vignes tem na arte o seu grito e na delicadeza do papel a força de um manifesto

A nossa personagem da semana é Ana Terra Vignes, uma artista catarinense que transita entre a ourivesaria, o design de joias e a música, mas que encontrou no papercutting um meio de traduzir dores invisíveis em arte. Sua mais recente exposição, "Ecoa – Recortando a Dor", reinaugurada na Galeria Itaguaçu + Arte, transforma relatos de violência psicológica em composições delicadas, contrastando a fragilidade do papel com a brutalidade das palavras que ecoam na mente de muitas mulheres.
"Ouvir minhas próprias dores foi o ponto de partida para ouvir a dor alheia", confessa Ana. O projeto nasceu da constatação de que frases abusivas não desaparecem, mas se fazem presentes como ecos inesperados, reabrindo cicatrizes emocionais. Durante quatro anos, a artista coletou mais de 300 relatos de mulheres sobre palavras que as feriram profundamente. "O projeto ainda nem existia, eu apenas anotava, até perceber a dimensão do que tinha em mãos. Aí sim comecei a pensar na materialização das obras."
Com a força do papel e a delicadeza do bisturi, Ana Terra Vignes traduz a violência invisível em arte e som.
A técnica escolhida para dar forma a essas memórias não poderia ser mais simbólica: o papercutting, realizado com um bisturi. Ferramenta de precisão cirúrgica, capaz de criar cortes limpos e definitivos, mas também de provocar cicatrizes. "O papel e os sentimentos trabalham na esfera da fragilidade. Eu queria trazer uma estética sensível e delicada para um tema duro que nos atravessa diariamente."
Mas Ana não estava preparada para a intensidade do que viria. "Eu brinco carinhosamente que o Ecoa é um portal (do inferno)", diz, referindo-se ao impacto emocional de receber tantos relatos. "Nunca é tranquilo ouvir histórias de violência quando se tem o mínimo de empatia. Mas o pior sempre foi saber quais homens próximos disseram ou fizeram determinadas coisas." Ela reforça a urgência de romper com a ideia estereotipada do agressor. "Os homens que nos violentam são nossos avós, pais, tios, irmãos, primos, filhos... são homens comuns. Falo sem medo de errar: são todos eles, em maior ou menor grau."
A experiência de Ana com a restauração de obras de arte e sua relação com o bisturi se entrelaçam com a essência do Ecoa. "Um dia, minha filha estava muito triste e insegura, mas não conseguia verbalizar. Fiz um caça-palavras afetivo em papercutting e bordado, com palavras e nomes que eram referências de memórias boas para ela. Eu queria tirar a dor que ela estava sentindo. Foi ali que entendi que essa técnica podia ser um meio de extrair dores."
A arte é o grito de quem sofre, mas também o primeiro passo para a cura.
A exposição também tem um elemento sonoro: o músico Bruno Moreira compôs uma trilha exclusiva em que vozes femininas sussurram as frases presentes nas obras, acompanhadas pelo embate sonoro entre um tambor grave, tocado por um homem, e um violoncelo, executado por uma mulher. "A trilha é perturbadora, e era exatamente isso que eu queria. O desconforto do público é a alavanca para tirá-lo da inércia."
O impacto do Ecoa se reflete nas histórias que a artista coleciona. "Uma amiga me contou uma frase que ouviu do ex-namorado e, na hora, perguntei se ela entendia o grau de violência introjetado. Ela disse que não. Anotei, recortei, fotografei e enviei para ela. Quando viu a frase escrita e cortada, materializou a violência que sofreu. Me ligou chorando compulsivamente. Foi um gatilho, mas também uma tomada de consciência."
Há, porém, espaço para a redenção. "Um amigo viu os quadros fora da exposição e dizia: 'eu não sou essa pessoa'. Mas no dia da abertura, ao ver tudo montado, ouvir as discussões, sentir a trilha sonora, ele veio me abraçar e disse: 'Obrigada, agora eu entendi!'." Ana acredita que a reflexão é possível, mas exige disposição para reconhecer as próprias violências, sejam elas cometidas ou sofridas. "A raiva também é uma resposta."
Ana Terra Vignes usa a técnica do papercutting para dar voz ao sofrimento de mulheres, convidando à reflexão e ao despertar.
Ana cita Nina Simone para sintetizar sua visão sobre arte e responsabilidade social: "O dever de um artista é refletir os tempos... eu escolhi refletir os tempos e as situações nas quais me encontro, porque pra mim é um dever". No Brasil, onde os índices de violência contra a mulher crescem ano após ano, a arte é sobrevivência. "Ser uma mulher brasileira é ser uma sobrevivente", afirma.
O Ecoa segue vivo, expandindo sua presença para abrigos de mulheres em situação de violência e continuando a reverberar o que muitos gostariam de silenciar. Um dos espaços que receberam as obras foi a Casa Abrigo Viva Rosa, onde mulheres acolhidas puderam se reconhecer nas frases expostas e compartilhar suas próprias experiências. "Foi um momento intenso, de identificação e de escuta. Muitas ali nunca tinham tido a chance de nomear as violências que sofreram", relata Ana.
Ana Terra Vignes nos lembra que a arte, mais do que um reflexo da sociedade, pode ser um grito, um alerta e um convite à mudança.
Uma reflexão poderosa sobre como a violência verbal ecoa na vida das mulheres, materializada através da arte de papercutting.
Da redação
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