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O emissário em pauta
Engenheiro químico da Casan esclarece questões pontuais sobre projeto a ser construído na Praia do Campeche

Alexandre Trevisan: “o paraíso estará ameaçado sem o emissário. Com ele, talvez consigamos reverter o quadro” (Foto: Bruna Stroisch)

Publicado em 06/09/2019

A edição da primeira quinzena de agosto do Imagem da Ilha abordou um dos assuntos mais comentados da cidade: a construção de um emissário na Praia do Campeche. A obra faz parte do planejamento da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento – Casan, para avançar na cobertura de coleta e tratamento de esgoto da capital. Embora consistente, o projeto provoca reações em parte da população quanto à segurança do ecossistema da região. Para esclarecer as principais questões que o envolve, entrevistamos o engenheiro químico da Casan, Alexandre Trevisan.

Jornal Imagem da Ilha - O que é o emissário submarino e que forma ele pode contribuir para o sistema sanitário da cidade?

Alexandre Trevisan - De maneira geral, o emissário é um tubo que passa por baixo do mar e atravessa a sua área de arrebentação, em um local onde não exista tanta movimentação de ondas e muito esforço da massa de água, para poder receber os efluentes da maneira mais ajustada possível e para que não ofereçam problemas para o meio ambiente marinho. No final desse tubo há um trecho chamado “trecho difusor”, que não lança o esgoto todo de uma vez, ele vai lançando um pouco em cada trecho. Como esse efluente é mais leve do que a água do mar, ele será empurrado com velocidade e subirá por conta dessa leveza. Nesse processo, há tanta água do mar em volta que não conseguimos diferenciar o que é efluente tratado e o que é água do mar, porque já está tudo incorporado, uma vez que a diluição é muito alta. Portanto, é uma tecnologia que usa a diluição como uma ferramenta de auxílio na incorporação dos efluentes que geramos em terra no ambiente natural. No caso do Campeche, o esgoto atualmente se infiltra no solo, mas existe um lençol freático muito alto e eventualmente esse esgoto vai para os rios e posteriormente para a beira do mar. Essa água que fica na beira do mar não consegue se desprender por causa de ondas.

O emissário pretende retirar esse esgoto, deslocar para outro local e tratá-lo. Parte do efluente tratado será utilizado, mas não há pessoas o suficiente para consumir toda a água de reuso. O excesso não utilizado poderá ser lançado no mar, no rio ou no solo. O solo de toda a região possui um lençol freático muito alto, tanto é que alaga de vez em quando e quando chove há problemas de drenagem, já que os rios são muito pequenos. Por isso, precisamos lançar esse efluente em um local que seja o melhor para todos - meio ambiente, pessoas que usam a praia, pescadores, maricultores, etc. O emissário irá lançar o efluente tratado de toda uma região num local que pode ser assimilado com mais facilidade sem gerar tantos prejuízos ao meio ambiente.

Quais alternativas foram estudadas pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina - IMA e pela Casan antes de se optar pelo emissário?

Todas as outras alternativas esbarram na mesma questão: onde lançar o efluente tratado? Podemos ter diversos arranjos, tipos de tratamentos, mas mesmo as soluções mais descentralizadas possíveis encontram problemas de disposição final em algumas áreas por conta do lençol freático alto. Temos uma série de interfaces com o próprio urbanismo da cidade que fazem com que as outras soluções, em algum momento, tragam alguma dificuldade, prejuízo ou maior risco do que o próprio emissário traz. Por exemplo, a Tapera é uma região de fragilidade social, onde as pessoas teriam que ter as suas fossas, porém, o lençol freático é muito alto com constantes problemas de inundação. O esgoto dos moradores acaba alimentando os canais de drenagem que passam pelo bairro e um rio que chega à Baía Sul, onde há atividades de pesca e maricultura. Até conseguimos separar em subsistemas, que é o que temos hoje no Norte da Ilha, Centro, Continente e agora estamos tentando avançar no Sul da Ilha, com esse empreendimento. Já há uma fase aprovada e em construção, mas o emissário é uma fase adiante, pois essa área está restrita a uma vazão, é uma área de cobertura. Não há onde lançar o efluente tratado. Por exemplo, a área do Rio Tavares está fora dessa fase. Criamos um arranjo inicial do empreendimento sem o emissário, somente com a bacia do Rio Tavares, mas mesmo ele sendo o maior rio do Sul da Ilha, há uma série de restrições – ambientais, socioeconômicas, culturais – que não permitiriam utilizá-lo como sendo o local de lançamento de todo efluente tratado do Sul da Ilha.

Por que a escolha pela praia do Campeche para a instalação?

Fizemos um estudo de alternativas que contemplou o seguinte: analisamos primeiro quais são as áreas mais suscetíveis a receber o lançamento de efluentes, que seriam aquelas com maior hidrodinâmica, com maior condição de emissão e que colocassem os usuários da praia em menor risco. Os oceanógrafos que conduziram os estudos identificaram como áreas menos favoráveis inicialmente, as baías fechadas e semifechadas, que é o caso da Baía Norte, Baía Sul, Pântano do Sul, Canasvieiras, Daniela e as áreas dos costões rochosos. Basicamente temos duas praias, que é o Campeche, no Sul da Ilha; e a Praia do Campeche – Joaquina, no Norte da Ilha do Campeche. Estudamos diferentes pontos dessas áreas que poderiam receber o lançamento, com diferentes profundidades. E aí tivemos doze alternativas para estudo. Criamos uma maquete no computador simulando esses diferentes pontos. Testamos quais deles seriam mais propícios a receber esse efluente, de duas formas: na primeira lançamos um traçador que chamamos de “conservativo”, que não se dissipa no ambiente, para verificarmos as áreas de possível acúmulo. A partir desse modelo, criamos outro simulando o máximo de descarga futura, com a pior condição possível, para eliminar qualquer tipo de risco. Entre três alternativas viáveis, fizemos um estudo comparativo. A área foi eleita pelo seguinte critério: a distância de dunas que precisaríamos romper para chegar no mar. Ao Norte, precisaríamos atravessar uma área de dunas maior. A mais ao Sul reprovou pelo seguinte critério: influência sobre o trânsito e a vida das pessoas, pois teria mais obras e maior interferência nas ruas. Além disso, a área de risco é maior. Então estamos bem seguros em relação ao efluente. Menos de 100 metros do mar será afetado e o emissário está a 5km de distância da praia. É um empreendimento que consideramos bastante seguro sob o ponto de vista do uso da praia e do mar, dos impactos sobre os organismos e a vida aquática. É o que conseguimos criar de cenário mais seguro para o empreendimento.

É possível que algo saia fora do planejado?

Existem várias fases: a fase do planejamento, que acontece agora, em que algumas coisas podem ser modificadas; e a fase de construção. Então já estamos tomando todas as providências nesta primeira fase para que não tenhamos riscos, porém, eles foram mapeados. Por exemplo, risco de rompimento da tubulação. Estamos nos prevenindo através do método construtivo e pelo material que escolhemos.

Como o emissário irá funcionar efetivamente, passo a passo, desde a entrada do esgoto até a saída dos efluentes no mar?

O efluente sairá da casa da pessoa e será transportado pela rede de transporte abaixo das ruas até a estação de bombeamento e a estação de tratamento. O emissário vai da estação de tratamento pra frente, pelo efluente tratado. Também virá pela rua, através de duas tubulações, uma pela Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) do Campeche e outra pela ETE da Lagoa, que se juntarão num ponto, passarão num trecho por terra até chegar ao mar. Todo esse trecho em terra é feito por assentamento de tubos. Quando chega lá na beira da praia, próximo às dunas, quais são as alternativas: ou cavamos uma trincheira para a colocação dos tubos, como é feito na rua, ou cavamos um túnel, um método que chamamos de não destrutivo, para não causar destruição de nenhum tipo no ambiente. A partir disso, tubos de concreto são colocados até chegar à superfície do mar. No final haverá uma mangueira de polietileno de alta densidade, com um metro de diâmetro e 5 km de distância. A vantagem em fazer com esse material é que ele não tem conexão, que é onde acontecem os vazamentos e os pontos frágeis. Ele só chega à superfície do mar após a zona de arrebentação, que não tem esforços de onda, então a tubulação fica mais fixa, mais ancorada e não sofre esforços. Ela fica ancorada pelo próprio peso e por blocos de ancoragem que aumentam o peso dessa tubulação para deixá-las fixas ao fundo. Então o próprio movimento do sedimento vai deixando ela semicoberto. A única parte que fica de fora é o difusor, que fica empurrando o efluente com velocidade.

Existem alguns exemplos da utilização do emissário submarino em cidades brasileiras, como o Rio de Janeiro, na praia de Ipanema e na Barra da Tijuca. Na primeira, o único tipo de tratamento feito no esgoto lançado no mar é o gradeamento, que retira somente os resíduos sólidos maiores. Isso vem prejudicando seriamente o ecossistema da região e o acesso dos banhistas ao mar. Já o esgoto despejado na Barra passa por uma estação de tratamento primária em que todo o lixo é recolhido e a carga orgânica reduzida. O emissário do Campeche será semelhante a algum deles?

No Brasil tem vários emissários, mas foram construídos nos anos 1970, então a maioria não tem tratamento antes de liberar o esgoto no mar. Esse quem sabe é um dos principais motivos que assustam as pessoas, pois elas acham que o emissário do Campeche será assim, e não será. O efluente será tratado, diferente do Rio, em Ipanema, que lança o efluente bruto. O nosso é muito mais seguro, nem se compara, é maior, mais longo, em uma condição hidrodinâmica melhor e com efluente tratado. Já o de Santos (SP) está no meio de uma baía, a localização é horrível. Salvador, Fortaleza e Maceió também têm. Nós estamos indo além das diretrizes brasileiras, estamos construindo um emissário de acordo com as diretivas europeias, pois na nossa visão, sendo da área do meio ambiente, sabemos que a tendência é que a legislação brasileira seja alterada ao longo dos anos. Como já temos o terreno, que é a parte mais onerosa, não vale a pena criarmos um sistema sem tratamento e depois adequar, porque a tendência da legislação é mudar ao longo do tempo, é apertar. A tendência é que a legislação daqui se aproxime da europeia.

Pelo que temos observado, a comunidade do Campeche tem uma posição contrária à instalação do emissário. A principal preocupação é pela degradação do ecossistema da região. Isso pode acontecer?

Criou-se uma grande mobilização na comunidade do Campeche com base em informações que foram passadas sobre o emissário que não são necessariamente verdades. Foi feita uma divulgação de um material que não diz necessariamente a “verdade” sobre o empreendimento. Houve uma reação desproporcional por parte de algumas lideranças comunitárias do Campeche. Entendemos que é natural que haja algum tipo de restrição, mas o nosso papel, nesse caso, é tentar informar o máximo possível. Abrimos um canal de comunicação para esse contato. Há pessoas que são contra por questões ideológicas e há as que são contra por conta da disseminação de informações incorretas. Temos tentado informar o maior número de pessoas sobre as condições do empreendimento e, principalmente, em que fase ele está. Além disso, queremos contextualizar as pessoas dentro do cenário da cidade.

Qual será o impacto destes efluentes no mar do Campeche?

As pessoas expostas ao lançamento direto dos efluentes é zero. A fase de obras pode gerar algum transtorno, mas é como se fosse o impacto da construção de um prédio. É uma obra comum, não é diferenciada. O impacto será pequeno sobre o ambiente urbano do Campeche; sobre as dunas, por conta do método que será utilizado; e sobre os pescadores artesanais, pois não será gerada nenhuma área de restrição à pesca, somente um alerta sobre o emissário.

Impactos positivos: Todo o Sul da Ilha e a Lagoa da Conceição, que terá uma condição de tratamento e disposição do efluente mais segura. Com o emissário, é provável que vejamos a redução de eventos como o extravasamento de drenagens cheias de esgoto chegando à praia; redução do esgoto que chega à baía Sul por conta das comunidades do Ribeirão da Ilha e Tapera; e a melhoria da condição da Armação, por conta do tratamento correto do esgoto, reduzindo a carga sobre o sangradouro.

Temos mostrado todas essas questões nas conversas com a população. Esta é a maneira como a Casan e a consultora contratada, que executou o estudo, enxergam esse empreendimento sob a ótica ambiental. Agora isso sendo avaliado pelo órgão ambiental competente para dar o seu parecer: se o emissário é viável ou não. Estamos na fase do licenciamento ambiental prévio, ou seja, ainda não houve projeto executivo, pois não há licença ambiental. A fase ainda é bastante inicial, mas é nessa fase que surgem todas as questões de concepção do empreendimento.

Existe um prazo estabelecido para a construção do emissário do Campeche? Quais são os próximos passos?

Há um cronograma de ações no estudo, como uma linha do tempo. Com a licença ambiental prévia, precisaremos de um tempo para executar os projetos – em torno de um ano. Outras condicionantes poderão ser cumpridas dentro desse prazo. Temos que buscar os recursos e criar a engenharia técnica e financeira desse recurso – mais seis ou sete meses. É preciso fazer a licitação para construir o empreendimento e colocar em operação. É inviável, hoje, o início de operação do empreendimento em menos de cinco ou seis anos. Ele precisa passar por todas essas fases. Agora, a questão é como iremos avançar nesse processo. O risco em atrasar ou postergar muito essas etapas é de permanecer tudo como está hoje – esgoto chegando à praia, a população da cidade aumentando sem controle e sem o saneamento adequado, principalmente no Sul da Ilha. Temos 66% de cobertura de esgotamento sanitário em Florianópolis. Em toda a cidade, duas entre cada três pessoas têm sistema coletivo. No Sul da Ilha, o número é zero. Precisamos avançar nessa região, sob o risco de tornar o Sul da Ilha um ambiente insalubre por conta da pressão que a região tem sofrido nos últimos anos. Foi a região que mais cresceu nos últimos tempos. O paraíso estará ameaçado sem o emissário. Com ele, talvez consigamos reverter o quadro. 

Por Bruna Stroisch e Gabriela Morateli