O azul da primeira página, por Luzia Almeida
Pirilampos ou vagalumes podem acompanhar meu aviãozinho nesta viagem que só está começando
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Eia! Eia! Aviãozinho... vamos devagar porque Bandeira já conversou com as estrelas e posso tentar também... (Foto:Freepik)
Publicado em 06/01/2024
Não vou escrever na primeira página do meu caderno novo, vou fazer um aviãozinho. Escreverei nas outras páginas que são muitas. Hoje quero um aviãozinho para passear, e essa ideia já tinha brotado ano passado com “O menino azul” da Cecília: “O menino quer um burrinho / para passear. / Um burrinho manso, / que não corra nem pule, / mas que saiba conversar”. Pois é, quero algo que vá mais rápido porque tenho muito o que fazer: há poetas com seus “Mistérios de amor” para desvendar: “É o beija- flor / que beija a flor / ou é a flor / que beija o beija-flor?”. Esse mistério do José precisa de resposta e é natural que alguém analise essa questão com tamanho empenho porqueos dias passam como pássaros.
Um aviãozinho: ainda que ele não saiba dizer “O nome dos rios, / das montanhas, das flores, / — de tudo o que aparecer”: não tem problema!... Muito conhecimento enche a gente de soberba e a beleza está nas coisas mais simples e de pouca duração como a flor da pitaia que, por cima do muro do meu quintal, à noite, está resplandecente e pela manhã é apenas uma lembrança. É necessário captar o belo na pureza do momento que o tempo pode ser um vilão ou um irmão. Não se deve protelar o abraço antes da partida e negar o sorriso no encontro. Ora!... quem precisa de vestido novo para ir a um aniversário se o coração está em festa? O tempo mexe com a cabeça da gente e pode nos ludibriar. Sejamos vivos!... Com a claridade da aurora é que veremos com nitidez o contorno das flores e, por causa das flores, mais nos encantaremos com as borboletas.
Quero passear com as luzes da Henriqueta: “Quando a noite / vem baixando, / nas várzeas do lusco fusco / [...] / piscam piscam pirilampos”. Pirilampos ou vagalumes podem acompanhar meu aviãozinho nesta viagem que só está começando. E posso voar baixinho e vê-los tão sonhadores. Mas também posso subir tão alto que meu avião não tem medo de nada. Não há curvas neste céu de janeiro e posso traçar uma linha reta de norte a sul a toda velocidade. Não há perigo, não há placas nem embriaguez... apenas um desejo de chegar ao infinito e sentir que a vida é a maior de todas as poesias. É necessário sentir o calor das estrelas e disfarçar o espanto com a ciranda que elas fazem. Há um perfeito encantamento de silêncio na harmonia dos planetas. Não há cólera nem furacões... a vida progride numa inocência eterna e todos os pontos comungam uma mesma conexão. Eia! Eia! Aviãozinho... vamos devagar porque Bandeira já conversou com as estrelas e posso tentar também... se elas me derem bola, conversaremos até o amanhecer porque preciso de ideias para acalmar meu coração e fazer o que é correto sem moralismo de verniz. As reflexões desse diálogo podem apagar chamas de
equívocos e destruir muralhas de ambições. Eia! Eia! Aviãozinho!... Chegamos à Lua, façamos uma parada, mas que seja breve por que preciso retornar e visitar o “Menininho doente” de Quintana; resgatar o sonho de Meireles de dentro de um navio que afundou; dizer a Teodoro e a Luísa que todos os prazeres não valem uma noite de sono em paz e informar a Castro Alves que o afrofuturismo já começou no Brasil e que os ferros dos negros serão vencidos na prática da equidade e da dignidade humana. Navios negreiros, nunca mais!
Meu aviãozinho tem o branco da página e um coração todo azul. Lembra-me o mar e a humildade porque é imenso e profundo, mas está debaixo do céu.
Sobre o autor
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Luzia Almeida
Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação
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