Mural homenageia Cruz e Sousa
Obra de 650 metros quadrados assinada pelo artista Rodrigo Rizo é parte do projeto Street Art Tour
A arte urbana é uma ferramenta potente de resgate e valorização dos traços culturais de uma sociedade. Não à toa, o poeta Cruz e Sousa (1861 – 1898) receberá justa homenagem e reconhecimento pelas mãos do artista Rodrigo Rizo, um dos pioneiros da arte urbana em Florianópolis. O mural, com dimensões grandiloquentes — 650 metros quadrados no total — é parte do Street Art Tour, projeto que está movimentando a cena de arte urbana na Capital e é viabilizado com apoio cultural da Floripa Airport. A obra começou a ser pintada no dia 4 de junho no paredão ao lado do jardim do Museu Histórico de Santa Catarina – Palácio Cruz e Sousa, no Centro, e deve ficar pronta até o final do mês.
O mural será todo em preto e branco, como forma de representar visualmente características marcantes na obra do poeta. Para fazer a pintura, o artista usa um elevador externo que o leva a uma altura de 30 metros. “Cruz e Sousa é uma personalidade ilustre de Florianópolis que é pouco reconhecida pelas novas gerações. Quando uma obra como essa é feita, coloca em evidência os símbolos que ali estão representados. Isso gera o debate e fomenta o conhecimento sobre determinado tema. Além disso, promove a valorização do artista de rua como agente multiplicador da cultura, pois coloca uma obra de arte ao acesso de todos na rua”, afirma Rodrigo Rizo.
Ele conta que leu Cruz e Sousa pela primeira vez na escola. “Confesso que não compreendi muito bem. A primeira impressão foi a complexidade e rebuscamento da linguagem utilizada. Voltei a ele quando estava pesquisando artistas de Florianópolis e então pude me aprofundar e compreender melhor as características e a relevância do poeta”, conta Rizo.
Tour guiado pelas obras de arte urbana
Dentro do projeto Street Art Tour se está desenvolvendo um trabalho de valorização dos ícones culturais de Florianópolis por meio de murais que homenageiam a vida e a obra de nomes importantes para a cidade. Dentro da plataforma do Street Art Tour (aplicativo disponível para iOS e Android), inclusive, é possível mapear e organizar um roteiro para conhecer obras de arte urbana de grandes dimensões: um deles é o mural assinado pelo artista Thiago Valdi em homenagem a Franklin Cascaes, no edifício Atlas, localizado de frente para a esquina da rua Vidal Ramos com a Deodoro. Outra grande obra é o mural Leão da Terra, pintado por Rizo em paredão ao lado do edifício Ceisa Center, na avenida Osmar Cunha.
A pintura de Cruz e Sousa é também parte de uma segunda etapa do projeto, que além de registro e catalogação em plataforma digital (aplicativo e site) de mais de 100 murais que compõem o acervo de street art de Florianópolis, prevê exposições, pintura de murais em grande formato, festivais, oficinas e debates. “Vamos realizar ações como intervenções e performances de leitura de textos de Cruz e Sousa, rodas de conversas sobre o poeta, como a arte urbana pode movimentar as pessoas e a história da cidade, debates sobre o movimento negro em Florianópolis, entre outras”, adianta Marina Tavares, da Studio de Ideias, idealizadora do projeto junto a Rodrigo Rizo e Arturo Valle Junior.
O Street Art Tour é patrocinado pelo município de Florianópolis e pela Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura nº 3659/91. O projeto tem o apoio cultural da Floripa Airport. Apoio da Fundação Catarinense de Cultura e do Museu Histórico de Santa Catarina – Palácio Cruz e Sousa. A coordenação geral é da Studio de Ideias.
Biografia de Cruz e Sousa
João da Cruz e Sousa nasceu em 1861 na cidade catarinense de Nossa Senhora do Desterro. Filho de escravos alforriados, desde pequeno recebeu a tutela e uma educação refinada de seu ex-senhor, o Marechal Guilherme Xavier de Sousa. Aprendeu francês, latim e grego, além de ter sido discípulo do alemão Fritz Müller, com quem aprendeu matemática e ciências naturais. Em 1881, dirigiu o jornal "Tribuna Popular", onde já transpareciam suas idéias abolicionistas. Em 1883, foi recusado como promotor de Laguna por ser negro, o que lhe causou profunda insatisfação e lhe acentuou os ideais de abolicionismo. Foi para o Rio de Janeiro, onde trabalhou na Estrada de Ferro Central do Brasil, colaborando também com o jornal "Folha Popular", onde entrou em contanto com as tendências simbolistas e escreveu suas obras mais expressivas. Casado com Gavita Gonçalves no ano de 1893, foi pai de quatro filhos, mas a tragédia não estava apenas reservada no preconceito racial que sofria: teve os quatro filhos mortos por tuberculose e a mulher enlouquecida. Profundamente magoado e tuberculoso, foi para a cidade de Sítio (Minas Gerais) em busca de um clima mais saudável. Lá morreu em 1898. Sua obra só seria realmente reconhecida algum tempo depois, consagrando-o como um dos maiores poetas do Simbolismo.
CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS
A poesia de Cruz e Sousa mantém a estrutura formal típica do Parnasianismo (uso de sonetos, rimas ricas, etc.), mas em um tom mais musical, rítmico, com uma variedade de efeitos sonoros, uma riqueza de vocabulários, e um precioso jogo de correspondências (sinestesias) e contrastes (antíteses). Transparece a preocupação social, onde a dor do homem negro (fruto de suas próprias experiências de preconceito) funde-se à dor universal humana, conferindo à sua obra um tom filosófico que reflete a angústia, o pessimismo e o tédio. A solução é sempre a fuga, a preferência pelo místico, a busca pelo mundo espiritual que o consola. É o eterno conflito entre o real e o irreal dentro do universo humano, os mistérios de Deus e do homem, da vida e da morte que convivem com o amor, o misticismo, e os desejos. O resultado é sempre o sofrimento do ser, muitas vezes personificado pela dor do preconceito (o que leva aos ideais abolicionistas dentro de sua obra). Em contraste com a cor negra, está o uso de um vasto vocabulário relacionado à cor branca: neve, espuma, pérola, nuvem, brilhante, etc. Isso reflete sua obsessão, tipicamente simbolista, pela imprecisão, pelo vago, a pureza e o mistério. Sua obra ainda é vastamente tomada pela sensualidade, pela busca da auto-afirmação e pela subjetividade (indicada no uso constante da primeira pessoa), pelo culto à noite, pela busca do símbolo e do mistério da existência, através de uma imagem obscura, sugerida e distorcida. É considerado por muitos como um dos maiores poetas simbolistas do mundo, com uma qualidade literária muito próxima a dos melhores poetas simbolistas franceses, como Mallarmé.
PRINCIPAIS OBRAS
Poesia
Broquéis (1893); Faróis (1900); Últimos Sonetos (1905); O livro Derradeiro (1961).
Poemas em Prosa
Tropos e Fanfarras (1885), em conjunto com Virgílio Várzea; Missal (1893); Evocações (1898); Outras Evocações (1961); Dispersos (1961).
Fonte: USP
Da redação