Manezinho, com orgulho e bom humor
Nosso personagem da semana já não está mais entre nós. Florianópolis perdeu na última sexta-feira (11) Milton Cunha Jr., o Miltinho. Era um dos mais famosos baluartes do legítimo humor que nos acostumamos a chamar de “manezinho”. Sim, Miltinho era um legítimo manezinho, com aquele peculiar espírito gozador que podemos encontrar numa roda de cafezinho ou num churrasco de final de semana.
A cidade sentirá saudades dos muitos “Miltinhos” que ele criou durante seus 56 anos de vida. Jovem, com talento nato para se comunicar, conquistou incontáveis amigos. Sua família já era um cartão de visita. O pai, Milton Cunha, era juiz de Direito, muito conhecido em Florianópolis. A mãe, Marlene, cuidava da família na casa onde os Cunha moram há décadas, na subida da Avenida Rio Branco em direção à pracinha dos bombeiros, cujo quiosque era um dos seus points favoritos para papear e levar seu cachorro para passear.
Miltinho gostava de gente, gostava de conversar, desde antes de ocupar seu espaço, merecido, na mídia. Um dos seus projetos mais surpreendentes foi a “Casa do Cunha”, bar que ele abriu no início dos anos 2000. Funcionava dentro da garagem de casa, onde reluzia um MP Lafer de coleção do pai, e foi um sucesso absoluto, tendo virado moda entre a sociedade local frequentá-lo. A empatia do dono com seus clientes fazia a diferença. As doses de uísque servido no estilo “cowboy”, uma de suas bebidas favoritas que ele volta e meia sugeria aos amigos por trás do balcão, ajudavam a esquentar o clima festivo do lugar.
Nessa época, Miltinho também havia se tornado colaborador do extinto jornal O Estado, graças, em parte, pela forte amizade que nutria com a família do empresário José Matusalém Comelli, especialmente com o filho Fábio Comelli. A princípio, era vendedor de anúncios, atividade na qual também tinha enorme êxito. Rapidamente, ele foi chamando a atenção dos sócios da TV O Estado, afiliada ao SBT, e acabou ganhando um quadro no jornal da emissora exibido no horário do almoço.
"E eu vou de barquinho" era bordão do humorista na TV ( Foto: acervo pessoal)
Foi mais um dos auges que teve na vida. Seu quadro na TV seria impensável nos dias de hoje. Era politicamente incorreto, e uma grande parte do público aplaudia. Um dos seus alvos prediletos eram os gaúchos. Miltinho trazia com ele, sem nunca manifestar ódio, o sentimento da histórica rivalidade entre SC e RS. Fazia piada com nossos vizinhos que se mudavam em grande número para Florianópolis. A direção da emissora, muitas vezes, não aprovava. Outros temas sensíveis também foram marcando a passagem dele pela TV. Um dia, o quadro saiu do do ar.
Paralelamente, Miltinho exercitava sua habilidade com a palavra escrita em livros como o “O Bom da Mole” e “Língua de Trapo”, hoje com poucos exemplares ainda disponíveis em livrarias online como a Estante Virtual. Perspicaz, singular, ele exibia um texto ao mesmo tempo cômico e crítico. Daí, as comparações com o colunista Beto Stodieck. O uso de bordões como o clássico “me agradas!” davam ao seu repertório uma personalidade única.
Após sua passagem pela TV, veio outro auge: a coluna em O Estado. Foi com ela que Miltinho confirmou definitivamente sua popularidade como comunicador, alcançando leitores de todas as idades atraídos por sua linguagem própria e a abordagem bem-humorada dos assuntos. Sacadas curtas tinham um efeito poderoso! Embalado, criou o troféu “O, Istepô”, utilizando uma típica palavra do linguajar ilhéu que, na verdade, significa alguém que atrapalha, mas que, através da sua fina escrita, se transformava numa honraria, uma prova de amor por Florianópolis e sua gente para quem o recebia.
Depois do fechamento de O Estado, Miltinho nunca mais voltou a escrever num periódico. Seu derradeiro período de sucesso foi no Facebook, onde arrancou milhares de likes e seguidores com suas tiradas espirituosas, inclusive sobre política. Aos poucos, porém, ele foi “sumindo”, postando cada vez menos. Foi ficando cada vez mais recluso. Comprou um terreno na Serra, onde desejava abrir uma pequena pousada, mas não teve tempo para realizar o sonho.
Já próximo ao final da vida, formado em Direito, preferia se apresentar como advogado, procurando imprimir a si mesmo uma imagem mais séria e menos cômica. Sofreu com vários problemas de saúde, o principal deles o sobrepeso, que o obrigou a fazer uma cirurgia. Em 2021, comentou com amigos que estava com câncer. Sua morte causou comoção na Ilha que ele tanto gostava.
Miltinho Cunha deixa uma contribuição relevante à “cultura manezinha”, que merece ser preservada e lembrada pelas futuras gerações. Ao homenageá-lo numa rede social, seu ex-chefe Marcello Petrelli resgatou um dos seus bordões mais famosos: “Como você sempre dizia ao final do telejornal, ‘e eu vou de barquinho’. Então, vá em paz, vai de barquinho para o teu descanso eterno”.
Texto escrito por Urbano Salles
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